Leia o trecho e responda à questão:
Artistas não fazem arte apenas. Artistas criam e preservam mitos que tornam suas obras influentes. Enquanto os pintores do século XIX enfrentavam questões de credibilidade, Marcel Duchamp, o avô da arte contemporânea, fez da crença sua preocupação artística central. Em 1917, ele declarou que um mictório suspenso era uma obra de arte intitulada Fonte. Ao fazer isso, atribuiu aos artistas em geral um poder quase divino de designar qualquer coisa que quisessem como arte. Não é fácil defender esse tipo de autoridade, mas é essencial para um artista que deseja obter sucesso. Numa esfera na qual tudo pode ser arte, não existe nenhuma medida objetiva de qualidade, de modo que o artista ambicioso deve estabelecer seus próprios padrões de excelência. A construção de padrões exige não apenas uma imensa autoconfiança, mas também a convicção dos outros. Como deidades competitivas, os artistas precisam hoje agir de modo a conquistar um séquito fiel. Ironicamente, ser artista é um ofício.
Sarah Thornton. O que é um artista? Trad. Alexandre Barbosa de Souza. 2015. Adaptado.
a) Considerando o sentido de “arte” e de “artista” no texto, explique por que, ironicamente, ser artista é um ofício.
b) “A construção de padrões exige não apenas uma imensa autoconfiança, mas também a convicção dos outros”. Identifique os elementos coesivos do período transcrito e explique que ideia transmitem no texto.
a) O sentido de “arte”, no texto de Thornton, é relacionado à concepção de arte existente após o período de Marcel Duchamp. Nesse sentido, houve, desde então, uma abertura para a significação da arte de forma a torná-la livre de amarras, dando aos artistas o que o autor chama de um “poder quase divino de designar quaisquer coisas que quisessem como arte”. Tal liberdade, portanto, afastaria o conceito de artista do conceito de ofício, uma vez que o último tem o sentido de uma ocupação, trabalho, atividade com técnica e habilidades específicas, o qual não seria coerente com a ideia daquele tipo de liberdade. Em razão disso, o autor abre o trecho afirmando que o artista não faz “arte apenas”, ou seja, de que ele não pode simplesmente construir os objetos artísticos municiando-se dessa extrema liberdade, dessa ausência de “medida objetiva de qualidade”. Assim, embora o artista, para fazer sua arte, sirva-se dessa liberdade, existe um contraponto a ser observado, já que, segundo Thornton, só será considerado artista aquele que puder “estabelecer seus próprios padrões de excelência” com “imensa autoconfiança” e “conquistar um séquito fiel”, convencendo-o desses padrões próprios para que suas obras sejam classificadas como arte. Essa parte das atribuições do artista não pressupõe a mesma liberdade e exige não um poder inventivo, mas um outro tipo de trabalho também constante e árduo, o qual, portanto, faz da atividade do artista também “ironicamente” um ofício.
b) No trecho transcrito, encontram-se duas orações correlacionadas de modo coordenado. A primeira é “A construção de padrões exige não apenas uma imensa autoconfiança” e a segunda, “mas também (exige) a convicção dos outros”. Os elementos coesivos utilizados são “não apenas”, na primeira oração e “mas também” na segunda oração. A correlação desses elementos imputa à relação entre as orações um valor aditivo, pois indicam a soma entre o que a “construção de padrões exige”, ou seja, que se exige imensa autoconfiança do próprio artista somada à convicção dos outros - seus "séquitos fiéis".