“Mas não medimos os tempos que passam, quando os medimos pela sensibilidade. Quem pode medir os tempos passados que já não existem ou os futuros que ainda não chegaram? Só se alguém se atrever a dizer que pode medir o que não existe! Quando está decorrendo o tempo, pode percebê-lo e medi-lo. Quando, porém, já estiver decorrido, não o pode perceber nem medir, porque esse tempo já não existe”.
Santo Agostinho. Confissões.
O tempo físico e o tempo psicológico se diferenciam na medida em que o primeiro se firma na objetividade e o segundo, na subjetividade. De acordo com os argumentos de Santo Agostinho, pode-se dizer que, no romance Angústia, de Graciliano Ramos, a passagem que melhor exprime a duração interior é:
a) |
“– 1910. Minto, 1911. 1911, Manuel?” |
b) |
“Os galos marcavam o tempo, importunavam mais que os relógios.” |
c) |
“Julião Tavares ia afastar-se, dissipar-se, virar neblina.” |
d) |
“Mas no tempo não havia horas.” |
e) |
“O espírito de Deus boiava sobre as águas.” |
O enunciado pede que o candidato identifique qual a passagem do romance “Angústia” que melhor exprime a duração interior. Pode-se entender a expressão “duração interior” como o tempo psicológico, o que corresponderia, nas palavras de Santo Agostinho, ao tempo medido pela sensibilidade, isto é, o tempo que não existe do ponto de vista cronológico, mas que é compreendido pela subjetividade daquele que o vivencia. Tendo isso em vista, pode-se considerar:
a) Incorreta. A preocupação com a precisão das datas evidencia uma tentativa de medir o tempo objetivamente, de acordo com o ponto de vista cronológico.
b) Incorreta. Nessa fala, os galos, devido à regularidade de seu canto, marcam objetivamente a passagem do tempo a ponto de importunarem mais que os relógios, pois cantam a todo momento, enquanto os relógios anunciam apenas as horas.
c) Incorreta. O trecho em questão constitui parte das impressões de Luís da Silva quando estava seguindo Julião Tavares, momentos antes de matá-lo por estrangulamento. Embora tal descrição se assemelhe a um sonho ou a uma alucinação, nela, o narrador não faz nenhuma referência à passagem do tempo.
d) Correta. A declaração de que “no tempo não havia horas” alude à percepção psicológica da passagem do tempo. A ausência de relógios e, por conseguinte, de indicações precisas em relação às horas, permite a representação de uma “duração interior” do tempo, a qual não pode ser cronologicamente quantificada.
e) Incorreta. O trecho em questão é retirado de uma passagem bíblica, do livro do Gênesis, a qual alude ao momento anterior da criação do mundo. Trata-se de um tempo mítico, divino, que remonta às origens. Nesse sentido, essa temporalidade está fora do alcance da percepção humana individual.