Presentemente eu posso me considerar um sujeito de sorte Porque apesar de muito moço, me sinto são e salvo e forte E tenho comigo pensado, Deus é brasileiro e anda do meu lado E assim já não posso sofrer no ano passado
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro
Belchior. “Sujeito de sorte”.
Leia as seguintes afirmações a respeito da letra da música:
I - Os adjuntos adverbiais temporais remetem a um contraste entre passado e presente, o que reforça o caráter metafórico do texto.
II - A locução “apesar de” contribui para a expressão de um sentimento inesperado em relação ao sentido de “muito moço”.
III - As formas verbais “morri” e “morro”, embora se refiram a momentos distintos, apresentam sentido denotativo.
Está correto o que se afirma em:
a) |
I, apenas. |
b) |
II, apenas. |
c) |
I e II, apenas. |
d) |
II e III, apenas. |
e) |
I, II e III. |
I - Correta. A presença dos adjuntos adverbiais é bastante recorrente nesta música de Belchior. De início, há “presentemente” que abre o primeiro verso da canção, o qual vincula as frases enunciadas ao momento em que são pronunciadas, ao presente mais próximo, ou seja, ao ‘agora’, quando o eu lírico pode se considerar um "sujeito de sorte". Ao fim da primeira estrofe, o compositor, iniciando o verso com uma conclusiva ('assim'), finaliza-o com a locução adverbial “no ano passado”, associando-o a "sofrer" construindo uma oposição à abertura da música e aos versos sequenciais (todos positivos), provocando um raciocínio antitético. No último verso da segunda estrofe, há a manutenção desse último adjunto adverbial (sem a preposição), enfatizando-o para, na sequência, contrapô-lo (pela adversativa 'mas') novamente a uma visão positiva do presente, dessa vez por meio do adjunto adverbial "esse ano". Tal contraposição reforça o caráter metafórico do texto, principalmente em sua segunda ocorrência – o último verso – pois nele são apresentadas duas formas do verbo 'morrer' em sentido conotativo, metafórico, pois denotam o valor de sofrimentos muito intensos que são associados diretamente à ideia de morte, dado o dano causado. Dessa forma, pode-se afirmar que os adjuntos adverbiais de tempo, de fato, apresentam-se contrapostos e reforçam a metáfora, dado que alocam o sofrimento num momento anterior e a sorte ao momento presente.
II. Correta. A locução “apesar de” constrói um adjunto adverbial de concessão, contrapondo o sentir-se ‘são’, ‘salvo’ e ‘forte’ ao fato de ser alguém muito novo. Em outras palavras, não é esperado, segundo a construção no texto, que alguém jovem apresente essas características. Para marcar textualmente essa relação lógica, cabe o uso dos conectivos concessivos, como a locução conjuntiva ‘apesar de’.
III. Incorreta. As formas ‘morri’ e ‘morro’ não apresentam sentido denotativo, pois o eu lírico, que enuncia o poema, não está morrendo no instante da enunciação, nem sequer morreu, pois está enunciando o texto. Trata-se, na verdade, de um deslizamento do sentido de morrer, empregando-o, metafórica e hiperbolicamente, como um sofrimento muito grande, quase próximo da morte.