O QUINTO IMPÉRIO
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz —
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa — os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?
Fernando Pessoa. Mensagem.
Mensagem reconduz a história de Portugal a partir de uma reinterpretação do tempo histórico. No poema, o tempo é encarado segundo uma concepção
a) |
nostálgica, devido à presença de modelos situados no passado. |
b) |
materialista, por efeito da aspiração burguesa de um lar confortável. |
c) |
mística, em razão do prognóstico de um futuro metafísico. |
d) |
biológica, por mérito da aceitação do ciclo natural da existência. |
e) |
psicológica, em virtude da referência ao substantivo “sonho”. |
a) Incorreta. O enunciado afirma que “Mensagem” reconduz a história de Portugal a partir de uma reinterpretação do tempo histórico. Tal abordagem não se limita a ser nostálgica, pois os modelos situados no passado, tais como Ulisses ou Dom Sebastião, são projetados como mitos proféticos que apontam para um futuro grandioso para o país.
b) Incorreta. No texto, a aspiração burguesa ao lar confortável é tomada como símbolo daquele que se acomoda na segurança de suas certezas e não arrisca nenhum movimento mais audaz em direção a um sonho de conquistas. A concepção de tempo de “Mensagem” não é materialista, mas sim utópica.
c) Correta. Os versos presentes na quarta estrofe “E assim, passados os quatro Tempos do ser que sonhou,/ A terra será teatro/ Do dia claro, que no atro/ Da erma noite começou” traduzem a concepção mística do tempo veiculada por Pessoa em “Mensagem”. Os “quatro tempos” fazem referência aos impérios passados cujo fim anuncia a chegada do “dia claro”, isto é, do Quinto Império português cuja realização será num plano intelectual e espiritual. O desafio final “Quem vem viver a verdade/ Que morreu D. Sebastião?” pode ser interpretado como uma exortação profética na qual o poeta conclama os portugueses a se comprometeram com a realização do Império magno e eterno de Dom Sebastião.
d) Incorreta. Em “Mensagem”, Pessoa veicula uma concepção mística do tempo e da história, afastando-se de princípios de caráter biológico. Ao anunciar o retorno de Dom Sebastião e a consequente instauração do Quinto Império, o poeta subverte o ciclo natural da existência, pois anuncia o retorno de um rei morto em batalha séculos antes.
e) Incorreta. A associação entre o termo “sonho” e a concepção psicológica do tempo é frágil, uma vez que o sonho remete ao idealismo profético e mítico veiculado em “Mensagem”, não se restringindo à psicologia de um único indivíduo, mas aos ideais coletivos de um povo.