“Os vadios são o ódio de todas as nações civilizadas, e contra eles se tem muitas vezes legislado; porém as regras comuns relativas a este ponto não podem ser aplicáveis ao território de Minas; porque estes vadios, que em outra parte seriam prejudiciais, são ali úteis”.
Desembargador J.J. Teixeira Coelho. “Instruções para o governo da capitania de Minas Gerais (1780)”. Apud SOUZA, Laura de Mello e. Os desclassificados do ouro. A pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
A partir da leitura do excerto, que aborda aspectos da sociedade mineira do século XVIII, é correto afirmar que, nessa sociedade,
a) |
os vadios viviam na ociosidade, o que provocava preocupações constantes nos administradores coloniais. |
b) |
a legislação colonial limitava a circulação dos vadios pela colônia, impedindo-os de ingressar na região das Minas. |
c) |
os vadios participavam de atividades complementares à mineração, o que justificava a tolerância das autoridades locais. |
d) |
os contratadores preferiam engajar vadios no trabalho nas minas, gerando revoltas dos trabalhadores especializados. |
e) |
os vadios participavam ativamente do contrabando de ouro, o que motivava sucessivas ações policiais repressivas. |
a) Incorreta. A classificação de vadio refere-se a indivíduos sem ocupação fixa, o que não necessariamente implica dizer que são pessoas ociosas. Além disso, a noção de ócio no Brasil colonial do século XVIII é bastante variável de acordo com a posição social do ocioso. Como se tratava de uma sociedade escravocrata, por exemplo, o ócio era valorizado entre as classes de proprietários de escravos, mas extremamente reprovado no que se referia aos escravizados. Por fim, o medo que a vadiagem poderia despertar nas autoridades coloniais estaria relacionado com a possibilidade de o indivíduo vadio praticar atividades criminosas.
b) Incorreta. Não havia a proibição de circulação dos vadios pela região das Minas, porém, o ordenamento jurídico colonial possibilitava que se encarasse a vadiagem como crime, fazendo com que o indivíduo desocupado pudesse ser detido.
c) Correta. Os indivíduos considerados vadios, que Laura de Mello Souza coloca entre aqueles chamados "desclassificados" da sociedade do ouro, eram indivíduos livres marginalizados e sem ocupação fixa, mas que poderiam, como o excerto destaca, ser úteis para a sociedade das Minas. Essa utilidade estaria em diversos tipos de atividades complementares à mineração, algumas delas consideradas arriscadas, perigosas e indesejáveis para um número expressivo dos componentes da sociedade mineradora. Entre essas atividades, podem ser mencionadas: povoamento de lugares distantes e de ocupação almejada pelas autoridades coloniais; combate a quilombos; construção de obras públicas e de estradas; segurança; participação em tropas e em milícias coloniais.
d) Incorreta. Os contratadores, no Brasil colonial, eram indivíduos que recebiam da Coroa portuguesa o direito de exploração de determinada área em troca de um tributo. Esses contratos foram estabelecidos principalmente para a exploração da região diamantífera das Gerais, depois correspondente à cidade de Diamantina. Não havia essa preferência pela utilização dos trabalhos dos vadios nas minas, já que o que se observa majoritariamente é a ocupação desses indivíduos em atividades acessórias à mineração, e não na atividade central.
e) Incorreta. Não se pode atrelar necessariamente os vadios ao contrabando de ouro, que era prática corrente nas Minas, mas ocorria entre outros atores sociais. Como os vadios não ocupavam uma centralidade nas atividades da mineração, mas sim posições acessórias, os praticantes de atividades de contrabando, que poderiam sofrer ações repressivas, podem ser localizados de maneira mais clara entre os próprios mineradores (interessados em sonegar impostos) ou entre escravizados (interessados em acumular um pecúlio para adquirir sua alforria).