A história dos registros cartográficos evidencia que a produção dos mapas varia conforme seus contextos históricos, podendo ser uma experiência socialmente partilhada. No Renascimento, a cartografia era um ponto de encontro entre arte e ciência e expunha o teatro do mundo aos olhos maravilhados dos europeus que tinham acesso direto aos mapas. A cada ano, as expedições vinham da Ásia, da África e do Novo Mundo com novidades. Em Lisboa e em Sevilha, como na maior parte do continente, as cartas marítimas incitavam as viagens e as conquistas. Na Índia, os cartógrafos não haviam produzido nenhum mapa detalhado do conjunto do subcontinente indiano nessa época. Porém, existiam mapas locais que respondiam a diferentes necessidades. Existiam mais de duzentos mapas antes do século XVIII, principalmente do Noroeste, do Centro e do Oeste do subcontinente. Eles davam conta da extensão e da propriedade das terras cultivadas e de uma tradição de medição desses espaços em escala local no subcontinente indiano.
(Adaptado de RAJ, Kapil. Conexões, cruzamentos, circulações. A passagem da cartografia britânica pela Índia, séculos XVII-XIX. Cultura. Revista de História e Teoria das Ideias. v. 24, 2007, p. 161.)
Considerando o excerto acima,
a) identifique e explique dois aspectos importantes dos registros cartográficos na Europa neste primeiro processo de mundialização.
b) destaque dois aspectos da produção e dos usos dos mapas no subcontinente indiano que eram diferentes dessa tradição cartográfica europeia.
a) Um primeiro elemento característico desses registros cartográficos é a coexistência de saberes oriundos da tradição clássica e religiosa com as informações obtidas pela experiência das Navegações. Neste sentido, a cartografia paulatinamente abandonou a estrita representação simbólica da cosmografia católica característica dos mapas medievais, passando a também incorporar os relatos e as novidades trazidas por viajantes. Em outras palavras, os mapas eram resultado de duas fontes de informações coexistentes e bastante divergentes, isto é, as informações trazidas por navegadores - e não necessariamente precisas, tendo em vista a dificuldade de confirmação empírica desses relatos - com aquelas tiradas de autores clássicos (como Ptolomeu) e da Bíblia. Um segundo elemento seria a dimensão propagandística das obras cartográficas, especialmente enquanto instrumentos de difusão visual sobre conquistas e domínios longínquos efetuados pelos reinos Europeus. Afinal, neste contexto, viajar era uma atividade muito restritra aos habitantes da Europa, sendo que o reconhecimento dos domínios de um determinado império dependia da sua representação através de crônicas de viajantes, obras cartográficas e artísticas. Também poderia ser abordado a rica ornamentação dos trabalhos cartográficos nesta época, que apreentavam uma importância enquanto itens de exposição, além de sua função como representação geográfica. Desta forma, os trabalhos eram ricamente decorados e detalhados, apresentando informações visuais sobre as características e habitantes dos locais retratados. Por fim, outro aspecto possível de menção seria a crescente preocupação do período com uma representação cartográfica próxima do mundo real, ainda que sofresse grande influência das tradições antigas e católicas. Tal preocupação renascentista está vinculada tanto com uma valorização do racionalismo como também foi influenciada pelos relatos trazidos por viajantes de várias partes do mundo.
b) Uma primeira característica das representações típicas do subcontinente indiano é a prevalescência das representações em escala local, inexistindo trabalhos de detalhamento do subcontinente como um todo. Como o texto salienta, os trabalhos feitos na região se preocupavam mais com a medição e representação das dimensões das propriedades fundiárias cultivadas, e não com a produção de instrumentos que buscavam abordar todo o subcontinente ou mesmo outras regiões do planeta, tal qual determinados trabalhos vinculados à experiência cartográfica europeia. Outra diferenciação se dava no tipo de informações que são prioritariamente representadas nas peças cartográficas, já que as produções indianas destacam sobretudo a extensão e a propriedades das terras lavradas. Por sua vez, na tradição europeia renascentista, as representações cartográficas estavam gradativamente mais influenciadas pela experiência dos viajantes e pela necessidade de representação de domínios ultramarinos dos reinos europeus, aspectos que moldavam suas produções de época. Por fim, um terceiro elemento de distinção entre ambas experiências cartográficas seria a persistência da influência de saberes oriundos da Bíblia e da tradição clássica nos trabalhos renascentistas europeus, aspectos ausentes nas produções indianas do mesmo período.