O compositor de música clássica Wolfgang Amadeus Mozart nasceu em Salzburg, na Áustria, em 1756. Era de origem burguesa modesta. Com três anos, começou a aprender tocar piano e, aos cinco, já havia escrito um concerto para cravo. Mozart faleceu em 1791, aos 35 anos, e foi enterrado numa vala comum. O compositor tinha consciência de seu raro dom e deixou em torno de 600 obras. Durante boa parte de sua vida, trabalhou incansavelmente, mas não encontrou o reconhecimento que desejava, especialmente na corte de Viena. O destino de Mozart foi muito marcado por sua situação social, pois havia uma dependência do músico com relação à aristocracia da corte. Nela, a nobreza estabelecia o padrão para os artistas de todas as origens sociais. Ao analisar sua vida, é preciso ser capaz de traçar um quadro claro das pressões sociais que agem sobre o indivíduo.
(Adaptado de: ELIAS, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.)
A partir do excerto e de seus conhecimentos, responda:
a) Considerando o valor social do artista e as pressões sociais da época, explique por que seria anacrônico afirmar que Mozart era percebido como gênio naquele contexto histórico (1756-1791).
b) Explique o ideário de meritocracia na ordem social burguesa do século XIX e o diferencie dos princípios de estratificação social do Antigo Regime.
a) A noção contemporânea de genialidade pressupõe o reconhecimento público de um talento nato ao indivíduo, independente de sua origem social - algo impossível no contexto citado. Nesse período, o reconhecimento de um talento e o subsequente êxito pessoal estavam diretamente vinculados à classe social a qual o sujeito pertencia, tendo em vista que se tratava de uma sociedade estamental e culturalmente dominada pela aristocracia cortesã. Ou seja, por ser de origem burguesa, desvinculado pelo sangue das cortes alemãs, o reconhecimento da genialidade de Mozart foi impedido pelas estruturas da sociedade em que vivia. Outro aspecto que corrobora para o impedimento da percepção da genialidade de Mozart seria a necessidade de submissão individual aos padrões culturais estabelecidos pela nobreza da época. Caso não se sujeitasse às expectativas das cortes de sua época, o artista encontraria grande resistência ao reconhecimento da expressão de seu talento, já que, nas palavras do próprio texto base do exercício, era a nobreza que "estabelecia o padrão" a ser adotado pelos artistas de todas as origens sociais.
b) O ideário de meritocracia baseia-se em dois pressupostos básicos: primeiramente, na premissa de possibilidade de ascensão dentro da sociedade e, em segundo lugar, na ideia que um indivíduo pode conquistar tal ascensão através de seu próprio mérito e esforço, independente de sua origem social. Ambos os pontos são incompatíveis com os princípios característicos da sociedade no Antigo Regime, marcado por uma rigorosa estratificação e pela virtual inexistência de mobilidade social pelo mérito. Afinal, nessa época, o pertencimento a um grupo social era definido logo ao nascimento, e havia uma consolidada expectativa social de manutenção de sua condição ao longo da vida, independente dos méritos e feitos individuais. Mesmo os símbolos modernos de ascensão social, como a notoriedade pública, a riqueza individual ou o êxito acadêmico não eram compreendidos como símbolos de uma ascensão na estrutura social, que permanecia rígida e rigorosamente vinculada ao nascimento. Em suma, nas palavras do historiador António Manuel Hespanha, a sociedade moderna era um período em que a mobilidade social "quase não se via", "pouco se esperava" e "mal se desejava", pois eram entendidas como uma perturbação na ordem natural e religiosa da sociedade.