Nos tempos de George Orwell, como ilustra seu romance 1984, publicado em 1949, era possível conceber o Poder como um “Grande Irmão” que monitorava cada gesto de cada um de seus súditos. No contexto contemporâneo, em uma sociedade pautada na vigilância e no controle social, o Big Brother televisivo é uma caricatura do Grande Irmão, porque neste programa o público pode monitorar o que acontece com um pequeno grupo que se reúne justamente para se exibir. No entanto, aquilo que, no tempo de Orwell, era apenas profecia parece ter se realizado, pois o Poder pode monitorar cada movimento dos sujeitos através de seu telefone celular; cada transação realizada, hotel visitado, autoestrada percorrida através de seu cartão de crédito.
(Adaptado de ECO, U. Construir o inimigo e outros escritos ocasionais. Rio de Janeiro: Editora Record: 2021, p. 233.)
No romance 1984, Orwell descreve as vigilâncias implementadas por um imaginado Estado Totalitário. A partir desta informação e do excerto acima,
a) aponte e explique dois aspectos do Poder do “Grande Irmão”, imaginado por Orwell, diferenciando-os de dois aspectos correlatos na sociedade de vigilância do mundo contemporâneo.
b) cite e explique dois aspectos importantes do debate ético sobre os dados de usuários de plataformas digitais por parte das grandes corporações.
a) O monitoramento e o autoritarismo são dois aspectos do poder do "Grande Irmão", pensados por George Orwell em seu romance 1984. Na obra, a constante vigia é organizada e centralizada por um outro que, distante daqueles que são vigiados, impõe câmeras e olhares por todos os lados. Aliás, essa imposição de um terceiro, atrelado a mecanismos de padronização que notamos no romance, caracterizam o autoritarismo. Em outras palavras, e não poderia ser diferente, monitoramente e autoritarismo se encontram, aqui.
Na sociedade de vigilância do mundo contemporâneo, correlacionam-se ao monitoramento e ao autoritarismo à exibição autoguiada e consentida, proporcionada pelos refinados recursos técnicos que, cada vez mais, se impõem como meios necessários para a vida coletiva. Dito de outro modo: se, por um lado, a exibição autoguiada e consentida, operada nas plataformas digitais de nossos dias, se distancia do modus operandi de vigia que George Orwell relata em 1984, por outro lado, pode-se dizer, voltamos à questão do monitoramento (uma vez que continuamos a abastecer uma "rede de vigia") e à questão do autoritarismo (na medida em que tais tecnologias se colocam como indispensáveis para a organização da vida profissional, estudantil e de outras esferas sociais), o que faz essas coisas se correlacionarem.
b) Questões de política e soberania nacionais e questões de padronização e impulsão ao consumo são, nas sociedades de hoje, dois importantes pontos do debate ético sobre os dados de usuários de plataformas digitais.
No primeiro caso, temos que a violação (ou mesmo a vigia ilegal) desses dados coloca em risco a segurança dos Estados Nacionais, comprometendo suas políticas públicas e interferindo na independência de cada nação, o que contraria, por exemplos, vários tratados e convenções internacionais e supranacionais. Nos termos de Michel Foucault, por exemplo, poderíamos dizer que acontece um refinamento do exercício do poder e um agrupamento de jogos de força, em um mesmo campo social, cada vez mais heterotópico.
No segundo caso temos que, uma vez as plataformas preenchidas com dados de usuários, elas passam a ter informações privilegiadas sobre os mesmos, grande tesouro no mundo das informações e do consumo capitalista, que, obviamente, se aproveita disso para impulsionar determinadas compras e padronizar a produção cultural. Nos termos da Escola de Frankfurt, por exemplo, poderíamos dizer que há um desdobramento da Indústria Cultural, no sentido de apronfudar a mercantilização da vida e sua respectiva reificação.