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Questão 1 Unicamp 2023 - 2ª fase - dia 2

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Questão 1

Processo de desenvolvimento do capitalismo

Texto 1

 

 

Texto 2

Eu sou apenas um rapaz latino-americano / Sem dinheiro no banco, / Sem parentes importantes, e vindo do interior / Mas sei que tudo é proibido, / aliás, eu queria dizer / Que tudo é permitido (...)

(Belchior, Apenas um rapaz latino-americano. Alucinações, 1976.)

Texto 3

A América Latina padece da falta de uma expressão unânime que compreenda a todas as nações situadas ao sul do Rio Bravo e que se estendem pelo vasto continente até a Patagônia e a Terra do Fogo.

(Adaptado de DE LA TORRE, Víctor Raúl Haya. El problema historico de Nuestra America. Amauta, Lima, p. 20, fevereiro de 1928.)

a) “O Brasil faz parte da identidade latino-americana”. A partir da leitura dos textos e de seus conhecimentos, justifique essa afirmação, apresentando um aspecto econômico e outro cultural como parte de sua resposta.

b) O texto 1 é uma releitura da obra “América invertida”, de 1943, criada pelo uruguaio Joaquín Torres García. A obra original é o mapa ao fundo. Como a obra original dialoga com a produção de certo imaginário latino-americano das décadas de 1960-1970? Como a releitura proposta na imagem de 2022 ressignifica a identidade latino-americana?



Resolução

a) A frase apresenta uma afirmação da condição do Brasil como parte de um grupo de países do continente americano chamados de latinos, tipo de classificação que geralmente se contrapõe a dos países chamados anglosaxões (EUA e Canadá), situados ao norte do Rio Bravo (fronteira entre EUA e México) onde ocorreu a colonização de povoamento, tipo de apropriação territorial com estabelecimento de ocupação efetiva por parte dos europeus.

Já na América Latina, ocorreu a colonização de exploração, fundamentada no processo de dominação por parte de potências europeias - notadamente Espanha e Portugal - em sua busca por minérios e recursos a serem explorados na América, sem a preocupação de formação uma sociedade e do desenvolvimento próprio (endógeno) dessas regiões. A questão linguística aproxima mais os países latino-americanos, principalmente em comparação com os anglo-saxões, fazendo com que o Brasil tenha aspectos culturais e econômicos comuns a outros países latinos formalizando então uma identidade bem apresentada por Belchior em sua canção no trecho: "Eu sou apenas um rapaz latino-americano / Sem dinheiro no banco".

b) A imagem produzida pelo artista Joaquim Torres García está vinculada ao surgimento de um movimento artístico latino-americano autônomo, conhecido por "Escola do Sul", fundado em 1934. Ao trazer uma representação da América do Sul invertida em relação à sua representação cartográfica padrão, ou seja, orientada com o norte no topo, sua produção ilustra um dos principais aspectos do Manifesto do movimento em questão, que defende: “não deve haver norte, para nós, senão por oposição ao nosso Sul.” Portanto, através da inversão cartográfica ilustrada, o autor suscita uma crítica à hegemonia nortista sobre os países subdesenvolvidos, defendendo a produção de uma arte própria regional com características latino-americanas que subverta a relação de poder estabelecida entre norte e sul. Essa crítica proposta endossa um imaginário latino-americano bastante difundido nas décadas de 1960-1970, pautado exatamente na contraposição entre uma maior união latina-americana à hegemonia nortista, esta representada pelo imperialismo norte-americano e europeu. Tal imaginário pressupõe a existência de uma identidade comum que se assenta no passado de exploração econômica experimentado pelos povos da região, tanto no período colonial como no contemporâneo. Ademais, a identidade latino-americana também seria caracterizada pela valorização dos elementos culturais dos povos originários. Sobre este último aspecto, a releitura proposta na imagem de 2022 acrescenta com destaque central na imagem da Wiphala, bandeira quadrangular — formada por quatro ângulos — dividida em 49 quadros, de sete cores, usada pelos povos andinos da Bolívia, além de regiões do Peru, Colômbia, no norte da Argentina e Chile, sul do Equador e oeste do Paraguai. Além de um símbolo de identificação cultural desses povos andinos, a whipala se destaca por ter se originado ainda no período pré-colonial, feita por povos que compunham o Império Inca (1438-1533). O uso e difusão da whipala ganhou grande notoriedade após movimentos camponeses que ocorreram nos anos 1970 na Bolívia e, desde então, aparece em diversos movimentos associada à resistência, sendo que em 2009 tornou-se um dos símbolos do Estado Plurinacional da Bolívia ao lado da bandeira nacional. Portanto, ao combinar o mapa invertido com a whipala, a releitura busca enfatizar tanto a contribuição dos povos originários como também a crítica à hegemonia cultural nortista em relação à América Latina.