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Questão 5 Unifesp 1º dia

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Questão 5

Pronomes pessoais elementos coesivos referenciais

Um dia desta semana, farto de vendavais, naufrágios, boatos, mentiras, polêmicas, farto de ver como se descompõem os homens, acionistas e diretores, importadores e industriais, farto de mim, de ti, de todos, de um tumulto sem vida, de um silêncio sem quietação, peguei de uma página de anúncios, e disse comigo:

— Eia, passemos em revista as procuras e ofertas, caixeiros desempregados, pianos, magnésias, sabonetes, oficiais de barbeiro, casas para alugar, amas de leite, cobradores, coqueluche, hipotecas, professores, tosses crônicas...

E o meu espírito, estendendo e juntando as mãos e os braços, como fazem os nadadores, que caem do alto, mergulhou por uma coluna abaixo. Quando voltou à tona, trazia entre os dedos esta pérola:

“Uma viúva interessante, distinta, de boa família e independente de meios, deseja encontrar por esposo um homem de meia-idade, sério, instruído, e também com meios de vida, que esteja como ela cansado de viver só; resposta por carta ao escritório desta folha, com as iniciais M.R...., anunciando, a fim de ser procurada essa carta.”

Gentil viúva, eu não sou o homem que procuras, mas desejava ver-te, ou, quando menos, possuir o teu retrato, porque tu não és qualquer pessoa, tu vales alguma coisa mais que o comum das mulheres. Ai de quem está só! dizem as sagradas letras, mas não foi a religião que te inspirou esse anúncio. Nem motivo teológico, nem metafísico. Positivo também não, porque o positivismo é infenso às segundas núpcias. Que foi então, senão a triste, longa e aborrecida experiência? Não queres amar; estás cansada de viver só.

E a cláusula de ser o esposo outro aborrecido, farto de solidão, mostra que tu não queres enganar, nem sacrificar ninguém. Ficam desde já excluídos os sonhadores, os que amem o mistério e procurem justamente esta ocasião de comprar um bilhete na loteria da vida. Que não pedes um diálogo de amor, é claro, desde que impões a cláusula da meia-idade, zona em que as paixões arrefecem, onde as flores vão perdendo a cor purpúrea e o viço eterno. Não há de ser um náufrago, à espera de uma tábua de salvação, pois que exiges que também possua. E há de ser instruído, para encher com as coisas do espírito as longas noites do coração, e contar (sem as mãos presas) a tomada de Constantinopla.

Viúva dos meus pecados, quem és tu que sabes tanto? O teu anúncio lembra a carta de certo capitão da guarda de Nero. Rico, interessante, aborrecido, como tu, escreveu um dia ao grave Sêneca, perguntando-lhe como se havia de curar do tédio que sentia, e explicava-se por figura: “Não é a tempestade que me aflige, é o enjoo do mar”. Viúva minha, o que tu queres realmente, não é um marido, é um remédio contra o enjoo. Vês que a travessia ainda é longa — porque a tua idade está entre trinta e dois e trinta e oito anos —, o mar é agitado, o navio joga muito; precisas de um preparado para matar esse mal cruel e indefinível. Não te contentas com o remédio de Sêneca, que era justamente a solidão, “a vida retirada, em que a alma acha todo o seu sossego”. Tu já provaste esse preparado; não te fez nada. Tentas outro; mas queres menos um companheiro que uma companhia.

(Machado de Assis. Crônicas escolhidas, 2013.)


Em “perguntando-lhe como se havia de curar do tédio que sentia” (7º parágrafo), os termos sublinhados referem-se, respectivamente,



a)

a Sêneca e a Nero.

b)

a Nero e ao capitão da guarda de Nero.

c)

ao capitão da guarda de Nero e a Sêneca.

d)

a Nero e a Sêneca.

e)

a Sêneca e ao capitão da guarda de Nero

Resolução

O período completo no qual se encontra o trecho selecionado pela questão é:

Viúva dos meus pecados, quem és tu que sabes tanto? O teu anúncio lembra a carta de certo capitão da guarda de Nero. Rico, interessante, aborrecido, como tu, escreveu um dia ao grave Sêneca, perguntando-lhe como se havia de curar do tédio que sentia, e explicava-se por figura: “Não é a tempestade que me aflige, é o enjoo do mar”. 

Na oração iniciada pela forma verbal ‘perguntando’, o enunciador está explicando uma pergunta feita por um “certo capitão da guarda de Nero” a “Sêneca”. Dado que o termo Sêneca tenha acabado de aparecer na oração anterior, o pronome ‘lhe’ faz referência a ele, pois o ‘capitão’ dirigiu a pergunta a Sêneca.
Por sua vez, o pronome ‘se’, vinculado à forma verbal ‘curar’, refere-se ao próprio ‘certo capitão de guarda de Nero’, pois ele questiona como "havia de curar a si mesmo" do tédio que sentia, representando-se por meio do pronome "-se".

a) Incorreta. A primeira referência está correta, mas não a segunda.
b) Incorreta. A segunda referência está correta, mas não a primeira.
c) Incorreta. As referências estão invertidas.
d) Incorreta. As referências estão incorretas.
e) Incorreta. O pronome ‘lhe’ refere-se a Sêneca e o pronome “se” refere-se “ao capitão da guarda de Nero”, respectivamente.