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Questão 6 Fuvest 2022 - 2ª fase - dia 2

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Questão 6

Segundo Reinado Revolta Praieira

No dia 01 de janeiro de 1849 foi divulgado na imprensa pernambucana o “Manifesto ao Mundo”, escrito por Borges da Fonseca, que apresentava as seguintes reivindicações:

Protestamos só largar as armas, quando virmos instalada uma Assembleia Constituinte. Esta Assembleia deve realizar os seguintes princípios: 1. O voto livre e universal do Povo Brasileiro; 2. A plena e absoluta liberdade de comunicar os pensamentos por meio da imprensa; 3. O trabalho como garantia de vida para o cidadão Brasileiro; 4. O comércio a retalho só para os cidadãos brasileiros; 5. A inteira e efetiva independência dos poderes constituídos; 6. A extinção do poder moderador e do direito de agraciar; 7. O elemento federal na nova organização; 8. Completa reforma do poder judicial, em ordem a segurar as garantias dos direitos individuais dos Cidadãos; 9. Extinção da lei do juro convencional; 10. Extinção do atual sistema de recrutamento.

Vamireh Chacon (sel. e intro.). Nunes Machado. Perfis parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 1978, p.22.

a) Como ficou conhecido esse movimento na história imperial brasileira?
b) Explique o teor de duas das reivindicações indicadas no Manifesto.
c) Indique dois elementos comuns entre o evento pernambucano e as revoluções europeias de 1848.



Resolução

a) Esse movimento ficou conhecido como Revolta ou Revolução Praieira, e ocorreu em Pernambuco, entre os anos de 1848 e 1850. Tendo um caráter liberal e federalista, contrapôs-se à política imperial da época e inseriu-se na rivalidade entre os dois grandes partidos do império, o Partido Liberal e o Partido Conservador. O nome da revolta se deve à Rua da Praia, sede do jornal Diário Novo, que publicava os manifestos de dissidentes do Partido Liberal, que por sua vez viriam a ser chamados de Partido Praieiro. Os praieiros chegaram ao poder em 1845 e a isso seguiu-se um confronto político feroz com os conservadores, que explodiu em revolta em 1848, em meio a questões sociais sérias, como a carência da população e o desagrado com privilégios concedidos a comerciantes portugueses e ingleses por parte do governo imperial. O conflito terminou com a derrota dos praieiros, mas diversas das reivindicações que circularam durante o movimento foram importantes para o debate político-social brasileiro. Entre as ideias mais marcantes estão as expressas por Borges da Fonseca (1808-1872), autor do texto-base da questão, o "Manifesto ao Mundo".

b) As reivindicações contidas no manifesto escrito por Borges da Fonseca podem ser explicadas levando-se em conta seu caráter liberal e federalista e considerando sua forte contraposição às práticas políticas do governo imperial e do Partido Conservador, que defendia uma maior centralização do poder. Analisando item por item do manifesto, podemos dizer:

1. Ao reivindicar voto livre e universal, pede-se uma expansão da participação eleitoral, algo impossibilitado pelo voto censitário estabelecido pela Constituição de 1824, ou seja, critica-se o cerceamento da participação política baseada na renda do cidadão;

2. Apesar de, durante o Segundo Reinado, a liberdade de imprensa ser mais presente do que o foi durante os anos de instalação do governo imperial, órgãos críticos ao governo imperial ou ao partido que no momento estivesse no poder poderiam sofrer represálias. Assim, o manifesto pede irrestrita liberdade de expressão e imprensa, sem coerção pelos poderes locais ou pelo governo central;

3. A partir de uma sociedade pernambucana na qual havia alto número de desocupados, pede-se por uma garantia de emprego, ou seja, por uma ação do poder público que estabelecesse uma política pública de expansão do trabalho;

4. Nesse item pede-se a nacionalização do comércio, ou seja, o estabelecimento de exclusividade para brasileiros no comércio a retalho (varejo);

5. A separação real entre os poderes também aparece no manifesto, ou seja, reivindica-se uma estrutura de governo na qual os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo tenham real autonomia, sem a possibilidade de interferência, como acontece na Constituição imperial, por conta da existência do Poder Moderador;

6. Em consonância com a reivindicação expressa no item 5, o manifesto também pede a extinção do Poder Moderador, que garantia ao imperador um poder a mais além do Executivo e lhe concedia a capacidade de intervir nos demais poderes. Outra crítica feita é a ao direito de agraciar, ou seja, a atribuição que o Poder Moderador dá ao imperador de alterar sentenças já estabelecidas, anulando ou reduzindo penas;

7. Nesse ponto aparece uma defesa do federalismo, apontando para uma maior autonomia local, ao invés de uma centralização do poder no governo imperial, como era o modelo político defendido pelo Partido Conservador;

8. Seguindo o que foi argumentado nos itens 5 e 6, continua-se na crítica à falta de independência dos poderes. Nesse momento, o manifesto pede uma independência para o Poder Judiciário, o que adviria de uma ampla reforma no sistema judicial brasileiro;

9. A lei do juro convencional diz respeito à possibilidade de os juros sobre um contrato serem livremente estabelecidos pelo credor, o que pode incorrer em taxas abusivas para o devedor. Nesse ponto do texto, o autor critica a lei, que permite estabelecer situações de extrema dependência em relação às dívidas na sociedade pernambucana;

10. Esse ponto do manifesto critica o recrutamento dos cidadãos ao Exército, que permite a dispensa caso fosse apresentado um substituto para o serviço militar, o que acabava sendo viável apenas para cidadãos com mais renda, que chegavam a pagar por um substituto. Dessa forma, a população mais pobre acabava sendo, na prática, orbigatoriamente recrutada.

c) Entre os elementos que aproximam a Revolução Praieira dos diversos movimentos que apareceram na Europa por volta do ano de 1848 - caracterizados como a Primavera dos Povos - podem ser apontados: o caráter liberal; a defesa de ideais ligados à liberdade, seja liberdade política, seja liberdade de expressão e manifestação; a contraposição a projetos centralizadores (e muitas vezes monárquicos) de poder; propostas de expansão da participação política dos cidadãos, como a ampliação do direito a voto; influência do pensamento socialista, notadamente do que seria classificado como socialismo utópico; grande preocupação social, ligada a questões como o acesso ao trabalho e a desigualdade entre as classes; reinvidicações de igualdade jurídica; contraposição às elites econômicas e à concentração econômica.