Texto 1
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
(Vinicius de Moraes/Baden Powell. “Samba da bênção”. In: Vinicius de Moraes. Livro de letras, 2015.)
Texto2
(André Dahmer. Malvados, 2019.)
Texto 3
Época: Como a felicidade se tornou uma tirania? Pascal Bruckner: No século XVIII, felicidade já deixara de ser um direito para se tornar um dever. Mas essa inversão de valores só se consolidou no século XX, depois de 1968, quando se fez uma revolução em nome do prazer, da alegria, da voluptuosidade. A partir do momento em que o prazer se torna o principal valor de uma sociedade, quem não o atinge vira um indivíduo fora da lei. Época: Sofrimento virou doença? Pascal Bruckner: Sempre detestamos o sofrimento, é normal. A novidade é que agora as pessoas não têm mais o direito de sofrer. Então, sofre-se em dobro. Querer que as pessoas se calem sobre a dor física ou psicológica é apenas agravar o mal.
Pascal Bruckner. “O mal da felicidade”. http://revistaepoca.globo.com, 16.02.2018.)
Texto 4
Naomi Osaka afirmou na capa da revista Time há alguns dias: “It’s ok to not be ok”. A tenista, que havia abandonado Roland Garros para cuidar de sua saúde mental, confirmou em um texto em primeira pessoa a pressão que sofreu nos últimos meses. Falou também da importância de trazer à tona o debate sobre a saúde mental em nosso tempo, e não só no esporte: “Espero que as pessoas entendam que está bem não estar bem, e está bem falar disso. Há pessoas que podem ajudar e, em geral, há luz no fim de qualquer túnel.”
(Noelia Ramírez. “‘Tudo bem não estar bem’, o lema da nova era que dá adeus ao pensamento positivo”. https://brasil.elpais.com, 15.07.2021. Adaptado.)
Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argumentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
“Tudo bem não estar bem”?: A tristeza em tempos de felicidade compulsória
A proposta de redação do vestibular da Unesp de 2022 traz a seguinte frase-tema: ““Tudo bem não estar bem”?: A tristeza em tempos de felicidade compulsória”. A pergunta que inicia a proposição exigia que sua resposta fosse pensada a partir da segunda parte da proposição que, por sua vez, enuncia a necessidade de uma reflexão sobre o lugar da tristeza em um momento em que a felicidade não é mais vista como um possível estado de espírito, dentre outros, mas como uma obrigação, algo compulsório.
Em outras palavras, o candidato deveria questionar a pasteurização da felicidade e a demonização da tristeza. Sendo assim, o projeto de texto poderia ser estruturado a partir de uma reflexão sobre o que está por trás de discursos, veiculados pela mídia e pelas redes sociais, por exemplo, que impõem padrões do que é ser feliz e alardeiam produtos e/ou posturas para o alcance de tais padrões; ou seja, a quem ou a quê serve a imposição da felicidade? Para complementar o raciocínio, também havia a possibilidade de se discutirem quais podem ser os desdobramentos da felicidade compulsória; ou seja, quais são os danos vivenciados por quem não pode ou não consegue estar sempre feliz, experimentando eventualmente momentos de tristeza? Se a infelicidade, etimologicamente, já designa uma situação de mal-estar, quais são as outras consequências ou punições, para quem se sentir infeliz em uma sociedade que obriga à felicidade?
Ademais, era possível que o projeto de texto se voltasse à contradição de se impor a felicidade, uma vez que tal imposição pode gerar exatamente a infelicidade. O filósofo Byung-Chul Han, por exemplo, tem refletido em recentes publicações sobre a sensação de frustração experimentada pelos indivíduos em função do excesso de afazeres ao qual se submetem, imersos numa lógica de produtividade, mascarada como uma condição para o alcance da plenitude e (por que não?) da felicidade.
Em relação à coletânea, observa-se, no Texto I, trecho de uma canção de Vinícius de Moraes e Baden Powell, uma mensagem que equilibra o lugar da tristeza e da alegria na vida humana, colocando-as como necessárias e comuns à existência, dado que a felicidade é “luz no coração”, mas que só se faz um bom samba com um pouco de tristeza, sendo que o samba pode ser metáfora para muitos aspectos da vida humana. Esse excerto poderia ser aproveitado para sustentar a constatação de que não é possível ser unicamente feliz e de que a tristeza é uma condição regular de nossa existência.
Os Textos II e III dão respaldo a uma análise sobre o contexto e as causas da obrigatoriedade da felicidade. A tirinha de André Dahmer, Texto II, lida diretamente com tal imposição, chamando-a de “ditadura da alegria”. O texto aponta os interesses subjacentes a essa lógica, a exemplo da medicalização da tristeza, e cria um efeito crítico-humorístico ao declarar que não é possível saber se é triste não ter direito à tristeza por não conseguirmos mais nos sentirmos tristes por estarmos medicados para sermos sempre felizes, como se tivéssemos desaprendido o que é a tristeza. O Texto III dialoga com o anterior, pois Pascal Bruckner atesta que a felicidade deixou de ser um direito para se tornar um dever, explicando historicamente como se deu esse processo. Além disso, o especialista ainda reflete sobre o fato de que a imposição da felicidade pode produzir infelicidade.
O Texto IV, por sua vez, materializa a discussão, tornando-a mais objetiva ao apresentar o caso de Naomi Osaka, tenista de alta performance, que abandou a principal competição de sua modalidade, o torneio de Roland Garros, para cuidar de sua saúde mental, a exemplo da ginasta Simone Biles, que também deixou os jogos olímpicos devido à mesma justificativa. Sendo assim, o último excerto da coletânea colabora com a reflexão sobre os impactos da imposição da felicidade e do descuido com a saúde mental, que podem provocar um colapso emocional.