Em uma democracia viva, as fronteiras do que é “o possível” estão constantemente em questão, deixam de ser óbvias e naturais. Questionar um aumento de tarifa de transporte significa também questionar como são elaborados os orçamentos públicos, como são executados, como são estabelecidas as prioridades. O mesmo vale para os protestos contra gastos com megaeventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada. [...]
Ao gritar e escrever “Não me representa”, quem se manifesta não quer apenas que o sistema político mude seu modo de funcionar: pretende mudar o jeito como a representação política é entendida.
(Marcos Nobre. Imobilismo em movimento:
da abertura democrática ao governo Dilma, 2013.)
O texto analisa sentidos dos protestos de junho de 2013 no Brasil e atesta
a) |
a prática de corrupção e desvio de dinheiro público, que sempre prevaleceu nos espaços decisórios da política brasileira, independentemente do grupo ou setor social hegemônico. |
b) |
a manipulação dos manifestantes por partidos políticos, que desejavam derrubar a presidente e criar condições para uma mudança ideológica radical no comando político do país. |
c) |
o esforço coletivo de segmentos políticos variados, que defendiam a redemocratização brasileira e a superação da herança autoritária oriunda do regime civil-militar. |
d) |
o dinamismo das mobilizações, que combinavam reivindicações pontuais com processos econômicos estruturais e colocavam em debate a mecânica de representação e as formas possíveis de participação política. |
e) |
a ingenuidade dos manifestantes, que restringiam seus questionamentos a temas superficiais, sem perceber que o funcionamento geral da política depende das decisões políticas institucionais. |
a) Incorreta. Embora o tema da corrupção possa estar presente nos protestos realizados no Brasil a partir de junho de 2013, o autor do texto não se refere a ela como o ponto crucial para o seu desencadeamento. Na verdade, os protestos se iniciaram contra o aumento de vinte centavos no valor da passagem de ônibus em São Paulo e depois evoluiram para temas ligados ao orçamento do governo federal e os gastos destinados a grandes obras e megaeventos, tais quais a Copa do Mundo de Futebol (2014) e as Olímpíadas no Rio de Janeiro (2016), sendo que grande parte dos que participaram dos protestos argumentavam que esses recursos deveriam ser destinados a outros setores, como educação e saúde.
b) Incorreta. O texto diz, ao contrário da afirmativa, que o protagonismo da população nesses protestos excluía os partidos políticos, uma vez que havia forte crítica a questão da representação. A população acusava os políticos tradicionais de não a representar. Nesse sentido, o autor do texto não advoga uma manipulação de partidos políticos nesse movimento e também não defende a tese que o objetivo final era a derrubada do governo. Ao contrário, a ideia central seria interferir no orçamento e no destino que os recursos públicos tinham dentro dele, dando voz aos interesses populares, criticando a democracia representativa e reforçando a democracia participativa.
c) Incorreto. Os movimentos populares de 2013 no Brasil não tinham qualquer relação com a redemocratização do país e a superação da Ditadura Militar (1964-1985). Na verdade, isso já havia ocorrido nas manifestações da década de 1980, como nas "Diretas Já" (1983-1984). Portanto, essas movimentações populares já ocorreram em um contexto de país redemocratizado e os temas centrais eram outros.
d) Correta. De fato, uma questão pontual como o aumento da passagem de ônibus em São Paulo acabou gerando um grande questionamento de amplos setores da sociedade em relação à participação popular na estrutura política do país e sua interferência na estrutura de organização nacional, gerando inclusive uma crise de representação, uma vez que os políticos tradicionais eram acusados de não trabalharem verdadeiramente em defesa das causas populares.
e) Incoreto. Em nenhum momento, o autor do texto se referiu à ingenuidade da população. Na verdade, ao contrário do que a afirmativa diz, a população passou a questionar as instituições do país e tentar afirmar seu direito de interferência nas decisões por elas tomadas.