Cândido Portinari. “Os retirantes” (1944). In: Marília Balbi. Portinari: pintor do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 142.
Identifique a alternativa mais adequada para expressar as relações entre arte e sociedade no quadro:
a) |
A obra retrata o êxodo rural de um grupo de nordestinos, fugindo da fome, da seca e da miséria. |
b) |
O quadro critica a incapacidade da SUDENE em propor políticas públicas para a população nordestina. |
c) |
A pintura veicula uma mensagem de esperança, ao opor o céu azul aos tons terrosos para designar a aridez da paisagem. |
d) |
A imagem do grupo com corpos esquálidos e doentes evidencia uma visão preconceituosa sobre os nordestinos. |
e) |
A tela expressa fortes convicções religiosas, ao retratar o calvário dos nordestinos como uma passagem bíblica. |
a) Correta. A obra Os retirantes, de Portinari, faz parte de uma série composta por mais duas obras: Criança morta e Enterro na Rede. Todas as peças apresentam a mesma temática e as mesmas tonalidades, conferindo uma unidade ao conjunto. Os temas centrais são a seca, as migrações em massa e a miséria, sendo que o pintor se posiciona de forma crítica diante de tais questões sociais. Portinari conta que as imagens vistas por ele quando criança foram constantes inspirações para sua obra, ressaltando como os retirantes o impressionavam, especialmente no contexto da grande seca de 1915, fenômeno responsável pela morte de milhares de pessoas e fuga de muitas outras. A figura dos retirantes representa para o artista uma reminiscência de sua infância, já que estes buscavam abrigo e melhores condições em São Paulo, passando por Brodósqui (cidade do pintor) e Portinari visitava os locais em que se encontravam os flagelados da seca juntamente com seus irmãos. O drama dos retirantes foi magistralmente interpretado nas obra de Portinari, sendo sua série considerada representativa de um "projeto utópico", no qual o artista parece apontar para uma realidade em que o trabalhador seja livre e a morte não seja uma fatalidade.
b) Incorreta. A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, criada em de 15 de dezembro de 1959, foi uma forma de intervenção do Estado no Nordeste, com o objetivo de promover e coordenar o desenvolvimento da região. Ou seja, sua criação é posterior à obra de Portinari, sendo incorreto afirmar que a obra é uma crítica à atuação dessa instituição.
c) Incorreta. Apesar do tom azulado do céu, não podemos considerar que essa cor veicula uma mensagem de esperança nessa obra. Embora o horizonte seja claro, o céu escurece gradativamente e está repleto de aves negras que rodeiam a família, fazendo uma alusão à morte, lembrada pela presença de urubus, ave que sorrateiramente aguarda a hora de se aproveitar daqueles que não resistem e morrem.
d) Incorreta. A representação esquálida das personagens é, na verdade, uma denúncia das desigualdades sociais do período. Na representação da figura humana, Portinari atribui a elas uma fisionomia de cansaço e dor, e enquanto as crianças apresentam um olhar desolado, os adultos possuem expressões que indicam desespero. No entanto, a adoção desse estilo de representação não é resultado de uma visão preconceituosa dos nordestinos, pelo contrário, dialoga com a própria biografia do pintor, trazendo questões sociais que o mobilizavam desde sua infância ao ver tantos imigrantes saindo das diversas partes do país, com trajetórias difíceis e destinos incertos. Trata-se, portanto, de uma crítica à desigualdade social que assola os retirantes.
e) Incorreta. Embora a obra tenha algumas influências de representações religiosas, não é correto afirmar que ela possui "fortes convicções religiosas" e nem que retrata o calvário dos nordestinos como uma passagem bíblica. A representação de uma criança nua se apoiando na mãe, por exemplo, pode indicar uma influência das diveras imagens nas quais a Virgem Maria segura o menino Jesus no colo, geralmente sem suas roupas, tais como A Virgem com o Menino, abraçando a mãe, de Giovanni Bellini, ou Madona e Criança, de Rafael Sanzio. No entanto, apesar da presença dessas referências, o calvário dos retirantes não é retratado como uma passagem bíblica e a convicção religiosa não é o aspecto central expresso na obra.