Martín Fierro acredita na importância da contribuição intelectual da América, prévia tesourada a todo cordão umbilical. Acentuar e generalizar para as demais manifestações intelectuais o movimento de independência iniciado, no idioma, por Ruben Darío, não significa, entretanto, que haveremos de renunciar, nem muito menos que finjamos desconhecer que todas as manhãs nos servimos de um creme dental sueco, de umas toalhas francesas e de um sabonete inglês.
Martín Fierro tem fé em nossa fonética, em nossa visão, em nossas maneiras, em nosso ouvido, em nossa capacidade digestiva e de assimilação.
“Manifesto Martín Fierro”, de Oliverio Girondo, 15/5/1924. In: Jorge Schwartz, Vanguardas latino-americanas: polêmicas, manifestos e textos críticos. São Paulo: EDUSP; Iluminuras; FAPESP, 1995, p. 116.
A revista de vanguarda literária Martín Fierro foi fundada em Buenos Aires, na Argentina, em 1924. O “Manifesto”, publicado no seu nº 4, apresentava sintonias com o movimento modernista paulistano, ao
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propor a ruptura com tradições estéticas e valorizar a autonomia criativa local, sem desprezar os intercâmbios com a Europa. |
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defender a obediência aos modelos artísticos da França e da Inglaterra, reconhecendo sua contribuição intelectual. |
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repudiar o movimento de independência iniciado, na língua espanhola, pelo poeta nicaraguense Ruben Darío. |
d) |
buscar inspiração nos modos de expressão popular e artística originários da América e revolucionar os hábitos de consumo. |
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condenar a inquietação intelectual e a experimentação literária em favor da cultura de massas e do conformismo. |
a) Correta. A Revista Martin Fierro circulou na Argentina entre 1924 e 1927, e tinha como principal objetivo a veiculação do trabalho de jovens artistas vanguardistas em diversos campos, como literatura, cinema e artes plásticas. De forma análoga à Semana de 1922 no Brasil, os artistas vinculados à Revista também propunham a criação de uma arte nacional, sem, contudo, romper em definitivo com as influências e com o diálogo com as vanguardas europeias. Seu contraponto era voltado especialmente ao academicismo e ao que era considerado como a arte "tradicional" e institucionalizada em seus respectivos países, além de criticar a mera reprodução do estilo europeu sem o esforço de construção de uma arte genuinamente lcoal. Essa relação de intercâmbio com as vanguardas europeias é tangenciada pelo manifesto quando ele se propõe acentuar o movimento de "independência" linguística de Ruben Dário para outros campos intelectuais, sem, entretanto, "renunciar, nem muito menos que finjamos desconhecer que todas as manhãs nos servimos de um creme dental sueco, de umas toalhas francesas e de um sabonete inglês".
b) Incorreta. Embora os modernistas paulistas e o manifesto da Martin Fierro reconheçam a contribuição intelectual europeia, é exagerado afirmar que propunham uma firme "obediência" a seus modelos artísticos. O intuito de tais movimentos era dialogar com as influências das vanguardas europeias, mas misturando com características locais e produzindo uma arte original de seus países.
c) Incorreta. O manifesto não repudia o trabalho de ruptura linguística de Ruben Dário, mas sim busca acentuá-lo e generalizá-lo "para as demais manifestações intelectuais".
d) Incorreta. Ainda que certos vanguardistas argentinos e brasileiros buscassem inspirações nas expressões populares de seus países, é incorreto sugerir que tais movimentos intuíam "revolucionar os hábitos de consumo". Afinal, seu objetivo consistia promover transformações nas manifestações artísticas, e não nos padrões de consumo da população.
e) Incorreta. As artes de vanguarda vinculadas ao modernismo e à revista Martin Fierro não condenam a inquietação intelectual. Pelo contrário, buscam trazer novas sensibilidades artísticas às populações de seus países, contrastando com a arte tradicional, institucionalizada e demasiadamente vinculada aos estrangeirismos.