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Questão 0 Enem 2021 - dia 1 - Linguagens e Ciências Humanas

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Redação

Redação

TEXTOS MOTIVADORES

TEXTO I

    Toda sexta-feira, o ônibus azul e branco estacionado no pátio da Vara da infância e da Juventude, na Praça Onze, Centro do Rio, sacoleja com o entra e sai de gente a partir das 9h. Do lado de fora, nunca menos de 50 pessoas, todas pobres ou muito pobres, quase todas negras, cercam o veículo, perguntam sem reclamar o tempo que for preciso. Adultos, velhos e crianças estão ali para conseguir o que, no Brasil, é oficialmente reconhecido como o primeiro documento da vida - a certidão de nascimento. [...]

    Ao longo do discurso desses entrevistados, fica clara a forma como os usuários se definem: "zero à esquerda", "cachorro", "um nada", "pessoa que não existe", entre outras, todas as expressões que conformam claramente a ideia da pessoa sem registro de nascimento sobre si mesma como uma pessoa sem valor, cuja existência nunca foi oficialmente reconhecida pelo Estado.

ESCÓSSIA, F. M. lnvisíveis: uma etnograna sobro identidade, direitos e cidadania nas trajetória de brasileiros sem documanlo. Teso (Doutorado em história, Política e Bens Culturais). Fundaçao Getúlio Vargas Rio de Janeiro, 2019.

TEXTO II

A Lei Nº 9.534 de 1997 tornou o registro de nascimento  gratuito no Brasil. Só que o problema persiste, mostrando  que essa exclusão é complexa e não se explica apenas pela  dificuldade financeira em pagar pelo registro, por exemplo.

 

Disponível em: https://estudio.r7.com/. Acesso em: 22 jul. 2021 (adaplado).

TEXTO III

A certidão de nascimento é o primeiro e o mais importante documento do cidadão. Com ele, a pessoa existe oficialmente para o Estado e a sociedade. Só de posse da certidão é posslvel retirar outros documentos civis, como a carteira de trabalho, a carteira de identidade. o título de eleitor e o Cadastro de Pessoa Física (CPF). Além disso, para matricular uma criança na escola e ter acesso a beneficies sociais, a apresentação do documento é obrigatória.

Disponível em: http://www.senado.leg.br/ Acesao em: 21 jul 2021;

TEXTO IV

Disponível em: https//www.ufrgs.br/humanista. Acesso em: 26 jul. 2021 (adaptado).


PROPOSTA DE REDAÇÃO

A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construidos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da llngua portuguesa sobre o tema "Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil", apre sentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para a defesa de seu ponto de vista.



Comentários

A proposta de Redação da edição de 2021 do ENEM trouxe como frase-tema “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”, seguindo a tendência de apresentar ao participante uma situação-problema que gere impactos na sociedade brasileira de um modo geral e que possa ser abarcada por propostas de intervenção concretas relacionadas à problemática discutida.

Os textos que compõem a coletânea apresentam dados de naturezas variadas que contribuem para a caracterização do cenário de privações a que estão submetidas as muitas pessoas que vivem no Brasil sem nenhum tipo de registro oficial, o que as impede de ter acesso a serviços e a direitos básicos. Essa discussão se mostra muito relevante socialmente, inclusive por ser um tema em geral pouco discutido na mídia e nos espaços formais de educação.

O texto I, trecho retirado da tese de doutorado de Fernanda da Escóssia, faz uma referência ao Programa Justiça Itinerante (que funciona na cidade do Rio de Janeiro e busca, entre outras atividades, proporcionar a regulamentação documental da população), por meio de uma breve descrição de uma das atuações do Programa. É descrita, então, uma cena em que pessoas entram e saem do ônibus que oferece o serviço de emissão da certidão de nascimento, ressaltando a alta procura pelo serviço. O excerto destaca ainda o perfil dessas pessoas (quase todas negras, todas pobres ou muito pobres), que poderia ser usado pelo participante como forma de contextualizar e relacionar as desigualdades sociais enfrentadas pelo Brasil e a forma como isso se reflete na ausência de registro de inúmeros brasileiros. Por fim, o texto aponta ainda como se sentem as pessoas que aguardam para serem atendidas: a visão de que não têm valor e sequer existem para o Estado, o que já aponta para uma das balizas principais do tema, a invisibilidade.

O texto II, retirado do Portal de notícias R7, destaca a lei de 1997 que tornou o registro de nascimento gratuito no Brasil, ressaltando ainda que a dificuldade financeira não é a única barreira para que seja feito esse registro. O texto é, ainda, acompanhado por um infográfico, feito com base em dados divulgados pelo IBGE, que apresenta a estimativa do número de pessoas sem registro de nascimento por região brasileira. Esses dados numéricos indicam que a região Sudeste é a que apresenta maior número de pessoas sem registro de nascimento e a região Centro-Oeste é a que tem o menor número. Todos eles, no entanto, mostram-se bastante altos, o que reforça a ideia de que possivelmente há variados motivos para que as pessoas deixem de registrar seu filhos, por exemplo, além das questões financeiras. O participante poderia levantar hipóteses para esse fenômeno, como a falta de informação, a falta de acesso aos serviços ou a incompreensão da importância desse registro de nascimento.

O texto III, retirado do site do Senado Federal, aponta justamente para a importância da certidão de nascimento, colocando-a como o principal documento do cidadão. O texto ressalta como essa certidão é essencial para que outros documentos sejam emitidos, como a carteira de trabalho ou o título de eleitor, ou ainda para que se tenha acesso a benefícios sociais ou para que uma criança possa ser matriculada na escola. De um modo geral, o texto indica que uma pessoa passa a ser vista como um cidadão, com direitos que podem ser assegurados pelo Estado, apenas a partir da emissão de um registro de nascimento. O participante poderia usar essas informações para evidenciar os impactos, em diferentes níveis, que a ausência desse registro pode trazer a uma pessoa.

O texto IV, uma campanha criada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos, traz, além do slogan “Onde existem pessoas, nós enxergamos cidadãos”, a imagem de uma impressão digital na qual é possível enxergar um rosto. O texto da campanha chama a atenção do leitor para uma visão preocupada com o fato de que as pessoas devem ser vistas e tratadas como cidadãs. A interação entre a linguagem verbal e a não-verbal se constrói de maneira interessante: a impressão digital é aquela que individualiza uma pessoa, que a torna diferente das demais e, nesse sentido, visível, perceptível. O papel dessa associação de defensores públicos, portanto, é o de dar visibilidade às pessoas, tornando-as cidadãs de fato. O participante poderia usar as informações desse texto para construir possíveis propostas de intervenção inspiradas nessa campanha, ou ainda para reforçar a compreensão de que pessoas devem ser também cidadãs com direitos assegurados pelo Estado.

Quanto à elaboração de propostas de intervenção, o participante poderia, como já mencionado, inspirar-se na campanha exposta no texto IV ou mesmo na iniciativa descrita no texto I para criar as suas propostas. Ações concretas, como as destacadas nos textos I e IV poderiam ser complementadas com sugestões que visem à disseminação de informação à população, de modo que a procura pelos serviços de registro pudesse ser alavancada e as consequências trazidas pela falta do registro, minimizadas. A discussão proposta pela frase-tema e pelos textos que compõem a coletânea permite ainda a incorporação de elementos de repertório sociocultural que transitam por diferentes áreas, como a educação, o direito, a psicologia ou a sociologia, entre muitas outras possibilidades.