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Questão 21 Enem 2021 - dia 1 - Linguagens e Ciências Humanas

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Questão 21

Lima Barreto Variação Linguística

    Não que Pelino fosse químico, longe disso; mas era sábio, era gramático. Ninguém escrevia em Tubiacanga que não levasse bordoada do Capitão Pelino, e mesmo quando se falava em algum homem notável lá no Rio, ele não deixava de dizer: "Não há dúvida! O homem tem talento, mas escreve: 'um outro', 'de resto' ...". E contraía os lábios como se tivesse engolido alguma cousa amarga.

    Toda a vila de Tubiacanga acostumou-se a respeitar o solene Pelino, que corrigia e emendava as maiores glórias nacionais. Um sábio...

    Ao entardecer, depois de ler um pouco o Sotero, o Candido de Figueiredo ou o Castro Lopes, e de ter passado mais uma vez a tintura nos cabelos, o velho mestre-escola saía vagarosamente de casa, muito abotoado no seu paletó de brim mineiro, e encaminhava-se para a botica do Bastos a dar dous dedos de prosa. Conversar é um modo de dizer, porque era Pelino avaro de palavras, limitando-se tão-somente a ouvir. Quando, porém, dos lábios de alguém escapava a menor incorreção de linguagem, intervinha e emendava."Eu asseguro, dizia o agente do Correio, que .. ." Por aí, o mestre-escola intervinha com mansuetude evangélica: "Não diga 'asseguro', Senhor Bernardes; em português é garanto".

    E a conversa continuava depois da emenda, para ser de novo interrompida por uma outra. Por essas e outras, houve muitos palestradores que se afastaram, mas Pelino, indiferente, seguro dos seus deveres, continuava o seu apostolado de vernaculismo.

BARRETO, LA Nova Califórnia. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br
Acesso em: 24 jul 2019

Do ponto de vista linguístico, a defesa da norma-padrão pelo personagem caracteriza-se por



a)

contestar o ensino de regras em detrimento do conteúdo das informações.

b)

resgatar valores patrióticos relacionados às tradições da língua portuguesa.

c)

adotar uma perspectiva complacente em relação aos desvios gramaticais.

d)

invalidar os usos da língua pautados pelos preceitos da gramática normativa.

e)

desconsiderar diferentes níveis de formalidade nas situações de comunicação.

Resolução

a) Incorreta. No que concere à linguagem, o personagem não contesta o ensino de regras; pelo contrário, defende fervorosamente o uso da norma-padrão, independentemente do conteúdo das informações.

b) Incorreta. Não há evidências, no texto, de que a defesa da norma-padrão esteja relacionada a uma atitude patriótica da personagem, no intuito de resgatar valores relacionados às tradições da língua portuguesa.

c) Incorreta. Ao contrário do que afirma a alternativa, Pelino não se mostra complacente, ou seja, tolerante em relação aos desvios gramaticais. O personagem mantém uma postura intransigente, inflexível, com relação ao emprego da norma culta em todas as situações de comunicação.

d) Incorreta. Novamente, a alternativa apresenta uma ideia oposta àquela defendida pelo personagem. O Capitão Pelino não invalida, mas valoriza ao extremo o uso da língua com base na gramática normativa.

e) Correta. Nota-se, no texto, que o Capitão Pelino tinha o hábito de "corrigir" a linguagem empregada por todas as pessoas, independentemente da situação de comunicação: demonstrava, assim, a mesma rigidez no emprego da norma-padrão tanto em situações formais de escrita quanto em conversas informais (como ao "dar dous dedos de prosa" na botica do Bastos). Dessa forma, verifica-se que a personagem, do ponto de vista linguístico, não leva em consideração os diferentes níveis de formalidade.