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Questão 24 Enem 2021 - dia 1 - Linguagens e Ciências Humanas

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Questão 24

    A história do futebol brasileiro contém, ao longo de um século, registros de episódios racistas. Eis o paradoxo: se, de um lado, a atividade futebolística era depreciada aos olhos da "boa sociedade" como profissão destinada aos pobres, negros e marginais, de outro, achava-se investida do poder de representar e projetar a nação em escala mundial. A Copa do Mundo no Brasil , em 1950, viria a se constituir, nesse sentido, em uma rara oportunidade. Contudo, na decisão contra o Uruguai sobreveio o inesperado revés. As crônicas esportivas elegiam o goleiro Barbosa e o defensor Bigode como bodes expiatórios, "descarregando nas costas" dos jogadores os "prejuízos" da derrota. Uma chibata moral, eis a sentença proferida no tribunal dos brancos. Nos anos 1970, por não atender às expectativas normativas suscitadas pelo estereótipo do "bom negro", Paulo César Lima foi classificado como "jogador-problema". Ele esboçava a revolta da chibata no futebol brasileiro. Enquanto Barbosa e Bigode, sem alternativa, suportaram o linchamento moral na derrota de 1950, Paulo César contra-atacava os que pretendiam condená-lo pelo insucesso de 1974. O jogador assumia as cores e as causas defendidas pela esquadra dos pretos em todas as esferas da vida social. "Sinto na pele esse racismo subjacente", revelou à imprensa francesa: "Isto é, ninguém ousa pronunciar a palavra 'racismo'. Mas posso garantir que ele existe, mesmo na Seleção Brasileira". Sua ousadia consistiu em pronunciar a palavra interdita no espaço simbólico do discurso oficial para reafirmar o mito da democracia racial.

Disponlvel em: https://observatorioracialfutebol.com.br. Acesso em: 22 jun. 2019 (adaptado).

O texto atribui o enfraquecimento do mito da democracia racial no futebol à



a)

responsabilização de jogadores negros pela derrota na final da Copa de 1950.

b)

projeção mundial da nação por um esporte antes destinado aos pobres.

c)

depreciação de um esporte associado à marginalidade.

d)

interdição da palavra "racismo" no contexto esportivo.

e)

atitude contestadora de um "jogador-problema".

Resolução

a) Incorreta. Embora o episódio seja um exemplo da prevalência do racismo no futebol brasileiro, ele não foi particularmente responsável pela contestação do mito da democracia racial no país. Pelo contrário, segundo o texto, os jogadores Barbosa e Bigode sofreram um "linchamento moral" causado pelo racismo sem qualquer alternativa ou condição de reversão do quadro.

b) Incorreta. Conforme o texto sugere, a projeção da nação através da Copa de 1950 revelava um caráter contraditório da atividade futebolística do período, mas foi insuficiente para promover questionamentos sobre o racismo existente no esporte e na sociedade brasileira.

c) Incorreta. A depreciação do futebol exemplifica o racismo inerente à sociedade, sem, contudo, gerar contestações quanto ao mito da democracia racial no país.

d) Incorreta. Foi justamente a pronúncia da palavra racismo por Paulo César Lima na década de 1970 que instigou questionamentos sobre o racismo no futebol e na Seleção, e não sua interdição (proibição) no esporte.

e) Correta. O conceito de democracia racial sugere a existência de relações plenamente harmoniosas entre os indivíduos de uma determinada sociedade, independente de sua cor ou etnia. Em outras palavras, ela nega a existência do racismo em suas variadas manifestações, sejam elas estruturais ou explícitas. Tal conceito ganhou força teórica no início do século XX, a partir de estudos históricos comparativos quanto às relações raciais no Brasil e nos EUA. Em síntese, tais estudos defendiam a existência de um caráter notoriamente violento nas relações raciais no caso norte-americano, em contraste com a suposta brandura nas tensões entre as "raças" no Brasil - o que condicionaria historicamente a existência de uma democracia racial entre os brasileiros.  No texto, o mito da democracia racial aparece de forma implícita, já que o racismo era patente no meio esportivo, mas nunca reconhecido publicamente. A contestação dessa suposta ausência de racismo no futebol teria ocorrido apenas em 1974, quando o jogador Paulo César Lima revelou à imprensa francesa que sentia "na pele" o "racismo subjacente", ainda que ninguém ousasse pronunciar tal palavra publicamente. Ou seja, foi justamente a ação contestatória do esportista que contribuiu para a denúncia e para o questionamento sobre a harmonia racial inexistente no Brasil à época, contribuindo para o enfraquecimento do mito da democracia racial em meio ao esporte.