Nem guerras, nem revoltas. Os incêndios eram o mais frequente tormento da vida urbana no Regnum ltalicum. Entre 880 e 1080, as cidades estiveram constantemente entregues ao apetite das chamas. A certa altura, a documentação parece vencer pela insistência do vocabulário, levando até o leitor mais crítico a cogitar que os medievais tinham razão ao tratar aqueles acontecimentos como castigos que antecediam o julgamento final. Como um quinto cavaleiro apocalíptico, o incêndio agia ao feitio da peste ou da fome: vagando mundo afora, retornava de tempos em tempos e expurgava justos e pecadores num tormento derradeiro, como insistiam os textos do século X. O impacto acarretado sobre as relações sociais era imediato e prolongava-se para além da destruição material. As medidas proclamadas pelas autoridades faziam mais do que reparar os danos e reconstruir a paisagem: elas convertiam a devastação em uma ocasião para alterar e expandir não só a topografia urbana, mas as práticas sociais até então vigentes.
RUST, L. O. Uma calamidade insaciável. Rev. Bras. Hist.
n. 72. maio-ago. 2016 (adaptado).
De acordo com o texto, a catástrofe descrita impactava as sociedades medievais por proporcionar a
a) |
correção dos métodos preventivos e das regras sanitárias. |
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revelação do descaso público e das degradações ambientais. |
c) |
transformação do imaginário popular e das crenças religiosas. |
d) |
remodelação dos sistemas políticos e das administrações locais. |
e) |
reconfiguração dos espaços ocupados e das dinâmicas comunitárias. |
a) Incorreta. O texto não apresenta nenhum tipo de correção dos métodos preventivos ou das regras sanitárias. Cita, somente, que as "medidas proclamadas pelas autoridades faziam mais do que reparar os danos e reconstruir a paisagem". Ou seja, o autor não sugere que os incêndios tenham causado alterações nos protocolos de prevenção seguidos pelas autoridades.
b) Incorreta. O texto menciona somente que os incêndios vagavam mundo afora e retornavam de "tempos em tempos", mas não cita as causas desse fenômeno.
c) Incorreta. O texto não cita uma transformação das crenças religiosas, pelo contrário, afirma que os incêncios expurgava justos e pecadores "como insistiam os textos do século X" e que os medievais tratavam "aqueles acontecimentos como castigos que antecediam o julgamento final", ou seja, o fenômeno encontrava explicações nas crenças religiosas da época.
d) Incorreta. Não há no texto nenhuma menção à remodelação de sistemas políticos e das administrações locais.
e) Correta. Conforme afirma o texto, além da reparação de danos, as autoridades utilizavam tal situação de devastação como uma oportunidade para "alterar e expandir não só a topografia urbana, mas as práticas sociais então vigentes". No contexto medieval, os incêndios ocasionaram profundas mudanças no tecido social, sendo utilizados, por exemplo, para legitimar a expansão da ordem pública. Dentre as alterações ocorridas nas dinâmicas comunitárias, podemos mencionar a ampliação do papel da Igreja Católica, que passou progressivamente, a lidar com a questão dos incêndios de maneira sacramental, resultando na expansão das prerrogativas atribuídas aos bispos, passando a ser eles que respondiam pelo dever de fortalecer a ordem pública abalada pela calamidade. Vale ressaltar que tal contexto insere-se no chamado Renascimento Comercial e Urbano, período caracterizado pelo fim das invasões bárbaras, desenvolvimento de novas técnicas agrícolas, retomada das atividades comerciais, surgimento de feiras e de cidades. Assim, é correto afirmar que os incêndios contribuíam efetivamente para a reconfiguração desses espaços ocupados e das dinâmicas comunitárias.