Nos setores mais altamente desenvolvidos da sociedade contemporânea, o transplante de necessidades sociais para individuais é de tal modo eficaz que a diferença entre elas parece puramente teórica. As criaturas se reconhecem em suas mercadorias; encontram sua alma em seu automóvel, casa em patamares, utensílios de cozinha.
MARCUSE, H. A Ideologia da sociedade Industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
O texto indica que, no capitalismo, a satisfação dos desejos pessoais é influenciada por
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políticas estatais de divulgação |
b) |
incentivos controlados de consumo. |
c) |
prescrições coletivas de organização. |
d) |
mecanismos subjetivos de identificação. |
e) |
repressões racionalizadas do narcisismo. |
A identidade incondicional do sujeito, frente ao universal, está fora de questão, sendo admitida, apenas, como cultura de massa. Essa premissa, podemos dizer, vale para todo pensador da primeira geração da Escola de Frankfurt, entre eles Adorno, Horkheimer e Herbert Marcuse, autor que serviu de base para a contextualização desse exercício. Autor de "Eclipse da Razão" e "A ideologia da sociedade industrial", o pensador alemão notou que, pelas artimanhas econômicas do capital, as pessoas são seduzidas, via publicidade, propaganda e outros mecanismos, ao consumo que traduzam sua existência do ser para o ter. Do ser consciente para o ter de larga escala que a Indústria Cultural produz, sob a égide da Indústria Tradicional. Nesse viés:
a) Incorreta. A alternativa sugere que a divulgação das mercadorias produzidas no capitalismo fique sob a responsabilidade dos Estados, entidades políticas que, segundo a lógica do capital, devem ficar longe da atividade própria do mercado. Por isso, o item não pode ser verdadeiro.
b) Incorreta. Os incentivos ao consumo, seguindo as regras da economia de mercado, não devem ser controlados, como coloca a assertiva. Sendo assim, afirmar que, no capitalismo, a compra regrada satisfaria os desejos das pessoas, não pode ser verdadeiro. A estratégia do mercado é sempre promover, cada vez mais, a compra de modo ilimitado.
c) Incorreta. O texto diz: "as criaturas se reconhecem em suas mercadorias; encontram sua alma em seu automóvel, casa em patamares, utensílios de cozinha". Ou seja, ele atrela o reconhecimento que temos de nós mesmos ao consumo individualizado, motivo pelo qual não cabe a resposta "prescrições coletivas [coletivas!] de organização".
d) Correta. Mecanismos subjetivos de identificação, eis uma estratégia do capital para criar uma ilusão de satisfação do desejo. Trata-se de uma Ilusão porque o indivíduo que nasce do consumo não tem uma identidade incondicional, como foi escrito no começo dessa resposta. A "individualidade" desse indivíduo só é admitida mediante a compra de coisas que são produzidas em massa, de modo indistinto, para se tornarem indistintos os consumidores que participam desse "ciclo vicioso" de "individualização pela padronização".
e) Incorreta. Não há de se falar em "repressão racionalizada". No capitalismo, a satisfação dos desejos não vem por "autocontrole consumista" ou qualquer outra restrição na esfera do mercado. O mercado, ele todo, do começo ao fim, dever ser "livre", irrestrito na lógica da demanda e da procura.