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Questão 2 Unesp 2022 - 1ª fase - dia 2

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Questão 2

Macário Pressupostos e Subentendidos

Para responder às questões de 02 a 08, leia o trecho do drama Macário, de Álvares de Azevedo.

MACÁRIO (chega à janela): Ó mulher da casa! olá! ó de casa!

UMA VOZ (de fora): Senhor!

MACÁRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui...

A VOZ: O burro?

MACÁRIO: A mala, burro!

A VOZ: A mala com o burro?

MACÁRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro na cerca.

A VOZ: O senhor é o moço que chegou primeiro?

MACÁRIO: Sim. Mas vai ver o burro.

A VOZ: Um moço que parece estudante?

MACÁRIO: Sim. Mas anda com a mala.

A VOZ: Mas como hei de ir buscar a mala? Quer que vá a pé?

MACÁRIO: Esse diabo é doido! Vai a pé, ou monta numa vassoura como tua mãe!

A VOZ: Descanse, moço. O burro há de aparecer. Quando madrugar iremos procurar.

OUTRA VOZ: Havia de ir pelo caminho do Nhô Quito. Eu conheço o burro...

MACÁRIO: E minha mala?

A VOZ: Não vê? Está chovendo a potes!...

MACÁRIO (fecha a janela): Malditos! (atira com uma cadeira no chão)

O DESCONHECIDO: Que tendes, companheiro?

MACÁRIO: Não vedes? O burro fugiu...

O DESCONHECIDO: Não será quebrando cadeiras que o chamareis...

MACÁRIO: Porém a raiva... [...]

O DESCONHECIDO: A mala não pareceu-me muito cheia. Senti alguma coisa sacolejar dentro. Alguma garrafa de vinho?

MACÁRIO: Não! não! mil vezes não! Não concebeis, uma perda imensa, irreparável... era o meu cachimbo...

O DESCONHECIDO: Fumais?

MACÁRIO: Perguntai de que serve o tinteiro sem tinta, a viola sem cordas, o copo sem vinho, a noite sem mulher – não me pergunteis se fumo!

O DESCONHECIDO (dá-lhe um cachimbo): Eis aí um cachimbo primoroso. [...]

MACÁRIO: E vós?

O DESCONHECIDO: Não vos importeis comigo. (tira outro cachimbo e fuma)

MACÁRIO: Sois um perfeito companheiro de viagem. Vosso nome?

O DESCONHECIDO: Perguntei-vos o vosso?

MACÁRIO: O caso é que é preciso que eu pergunte primeiro. Pois eu sou um estudante. Vadio ou estudioso, talentoso ou estúpido, pouco importa. Duas palavras só: amo o fumo e odeio o Direito Romano. Amo as mulheres e odeio o romantismo.

O DESCONHECIDO: Tocai! Sois um digno rapaz. (apertam a mão)

MACÁRIO: Gosto mais de uma garrafa de vinho que de um poema, mais de um beijo que do soneto mais harmonioso. Quanto ao canto dos passarinhos, ao luar sonolento, às noites límpidas, acho isso sumamente insípido. Os passarinhos sabem só uma cantiga. O luar é sempre o mesmo. Esse mundo é monótono a fazer morrer de sono.

O DESCONHECIDO: E a poesia?

MACÁRIO: Enquanto era a moeda de ouro que corria só pela mão do rico, ia muito bem. Hoje trocou-se em moeda de cobre; não há mendigo, nem caixeiro de taverna que não tenha esse vintém azinhavrado¹. Entendeis-me?

O DESCONHECIDO: Entendo. A poesia, de popular tornou-se vulgar e comum. Antigamente faziam-na para o povo; hoje o povo fá-la... para ninguém...

(Álvares de Azevedo. Macário/Noite na taverna, 2002.)

1azinhavrado: coberto de azinhavre (camada de cor verde que se forma na superfície dos objetos de cobre ou latão, resultante da corrosão destes quando expostos ao ar úmido)


Para Macário, a poesia deveria ser



a)

elitista.

b)

hermética.

c)

despojada.

d)

engajada.

e)

sentimental.

Resolução

a) Correta. Macário afirma que a poesia “Enquanto era a moeda de ouro que corria só pela mão do rico, ia muito bem”. Em seguida, lamenta o fato de ter-se transformado em “moeda de cobre” que transita entre as classes populares (mendigos, caixeiros de taverna). Assim, demonstra sua postura elitista, ao utilizar-se de metáforas para defender que a poesia, tal qual uma moeda de ouro, deve circular em meio aos membros das classes dominantes da sociedade. Essa afirmação será ratificada na fala seguinte, do "desconhecido": "Entendo. A poesia, de popular tornou-se vulgar e comum. Antigamente faziam-na para o povo; hoje o povo fá-la... para ninguém...".

b) Incorreta. Embora possamos relacionar o elitismo ao hermetismo, ou seja, a uma produção literária de difícil compreensão que, por conseguinte, estaria limitada a um determinado grupo, o ponto principal presente no discurso de Macário é a defesa de que a poesia deva estar "nas mãos dos ricos", controlada pelas camadas dominantes da sociedade. 

c) Incorreta. Macário não defende a ideia de uma poesia despojada, ou seja, simples, sem adornos. Pelo contrário, ao valorizar uma produção poética associada à moeda de ouro, percebe-se que, para a personagem, a poesia deve ser luxuosa, pomposa, rebuscada. 

d) Incorreta. Em momento algum Macário relaciona a produção poética a uma postura engajada, ou seja, comprometida com a defesa de ideais. A noção de poesia expressa pela personagem relaciona-se, fundamentalmente, a uma expressão artística voltada para as elites.

e) Incorreta. Nota-se claramente que Macário refuta o sentimentalismo no momento em que afirma: "Quanto ao canto dos passarinhos, ao luar sonolento, às noites límpidas, acho isso sumamente insípido. Os passarinhos sabem só uma cantiga. O luar é sempre o mesmo. Esse mundo é monótono a fazer morrer de sono". Por meio dessa declaração, é possível perceber que Macário não se sente atraído por imagens normalmente evocadas em poesias sentimentais, as quais considera enfadonhas.