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Questão 4 Unesp 2022 - 1ª fase - dia 2

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Questão 4

Macário Figuras de Linguagem

Para responder às questões de 02 a 08, leia o trecho do drama Macário, de Álvares de Azevedo.

MACÁRIO (chega à janela): Ó mulher da casa! olá! ó de casa!

UMA VOZ (de fora): Senhor!

MACÁRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui...

A VOZ: O burro?

MACÁRIO: A mala, burro!

A VOZ: A mala com o burro?

MACÁRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro na cerca.

A VOZ: O senhor é o moço que chegou primeiro?

MACÁRIO: Sim. Mas vai ver o burro.

A VOZ: Um moço que parece estudante?

MACÁRIO: Sim. Mas anda com a mala.

A VOZ: Mas como hei de ir buscar a mala? Quer que vá a pé?

MACÁRIO: Esse diabo é doido! Vai a pé, ou monta numa vassoura como tua mãe!

A VOZ: Descanse, moço. O burro há de aparecer. Quando madrugar iremos procurar.

OUTRA VOZ: Havia de ir pelo caminho do Nhô Quito. Eu conheço o burro...

MACÁRIO: E minha mala?

A VOZ: Não vê? Está chovendo a potes!...

MACÁRIO (fecha a janela): Malditos! (atira com uma cadeira no chão)

O DESCONHECIDO: Que tendes, companheiro?

MACÁRIO: Não vedes? O burro fugiu...

O DESCONHECIDO: Não será quebrando cadeiras que o chamareis...

MACÁRIO: Porém a raiva... [...]

O DESCONHECIDO: A mala não pareceu-me muito cheia. Senti alguma coisa sacolejar dentro. Alguma garrafa de vinho?

MACÁRIO: Não! não! mil vezes não! Não concebeis, uma perda imensa, irreparável... era o meu cachimbo...

O DESCONHECIDO: Fumais?

MACÁRIO: Perguntai de que serve o tinteiro sem tinta, a viola sem cordas, o copo sem vinho, a noite sem mulher – não me pergunteis se fumo!

O DESCONHECIDO (dá-lhe um cachimbo): Eis aí um cachimbo primoroso. [...]

MACÁRIO: E vós?

O DESCONHECIDO: Não vos importeis comigo. (tira outro cachimbo e fuma)

MACÁRIO: Sois um perfeito companheiro de viagem. Vosso nome?

O DESCONHECIDO: Perguntei-vos o vosso?

MACÁRIO: O caso é que é preciso que eu pergunte primeiro. Pois eu sou um estudante. Vadio ou estudioso, talentoso ou estúpido, pouco importa. Duas palavras só: amo o fumo e odeio o Direito Romano. Amo as mulheres e odeio o romantismo.

O DESCONHECIDO: Tocai! Sois um digno rapaz. (apertam a mão)

MACÁRIO: Gosto mais de uma garrafa de vinho que de um poema, mais de um beijo que do soneto mais harmonioso. Quanto ao canto dos passarinhos, ao luar sonolento, às noites límpidas, acho isso sumamente insípido. Os passarinhos sabem só uma cantiga. O luar é sempre o mesmo. Esse mundo é monótono a fazer morrer de sono.

O DESCONHECIDO: E a poesia?

MACÁRIO: Enquanto era a moeda de ouro que corria só pela mão do rico, ia muito bem. Hoje trocou-se em moeda de cobre; não há mendigo, nem caixeiro de taverna que não tenha esse vintém azinhavrado¹. Entendeis-me?

O DESCONHECIDO: Entendo. A poesia, de popular tornou-se vulgar e comum. Antigamente faziam-na para o povo; hoje o povo fá-la... para ninguém...

(Álvares de Azevedo. Macário/Noite na taverna, 2002.)

1azinhavrado: coberto de azinhavre (camada de cor verde que se forma na superfície dos objetos de cobre ou latão, resultante da corrosão destes quando expostos ao ar úmido)


“MACÁRIO: Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui...

A VOZ: O burro? MACÁRIO: A mala, burro!

A VOZ: A mala com o burro?

MACÁRIO: Amarra a mala nas tuas costas e amarra o burro na cerca.”

Para produzir o efeito cômico desse diálogo, o autor lança mão do recurso expressivo denominado



a)

antítese: a oposição, numa mesma expressão ou frase, de duas palavras ou de dois pensamentos de sentidos contrários.

b)

eufemismo: o emprego de palavra ou expressão no lugar de outra palavra ou expressão considerada desagradável.

c)

hipérbole: a ênfase resultante do exagero na expressão ou na comunicação de uma ideia.

d)

ambiguidade: a presença, num texto, de unidades linguísticas que podem significar coisas diferentes.

e)

personificação: a atribuição de características humanas a seres inanimados ou irracionais.

Resolução

a) Incorreta. Não se verifica o uso de antítese no trecho, ou seja, não há palavras ou pensamentos com sentidos opostos sendo explorados em nenhuma dessas falas.

b) Incorreta. O trecho não apresenta eufemismos (palavra de acepção mais agradável); pelo contrário, há o emprego de termo ofensivo, desagradável, quando Macário insulta seu interlocutor, chamando-o de "burro" (ignorante).

c) Incorreta. O exagero não está presente em nehuma das falas apresentadas; trata-se de afirmações objetivas, concretas.

d) Correta. Nota-se a exploração da ambiguidade no jogo semântico em torno da palavra "burro", empregada tanto para referir-se ao animal que transportava a mala de Macário ("Desate a mala de meu burro e tragam-ma aqui..."), quanto, em sentido conotativo e pejorativo, para explicitar a ignorância da "voz" que conversa com Macário ("A mala, burro!"). Nesse segundo caso, o termo é usado como um vocativo, direcionando-se ao interlocutor de Macário.

e) Incorreta. Não há personificação (atribuição de carcaterísticas humanas e seres inanimados) no trecho em questão; na fala "A mala, burro!", Macário pretende insultar seu interlocutor, chamando-o, ofensivamente, de ignorante.