Ora resta examinar quais devem ser os procedimentos e as resoluções do príncipe com relação aos seus súditos e aos seus aliados. Há uma grande distância entre o modo como se vive e o modo como se deveria viver, que aquele que em detrimento do que se faz privilegia o que se deveria fazer mais aprende a cair em desgraça que a preservar a sua própria pessoa. Ora, um homem que de profissão queira fazer-se permanentemente bom não poderá evitar a sua ruína, cercado de tantos que bons não são. Assim, é necessário a um príncipe que deseje manter-se príncipe aprender a não usar [apenas] a bondade.
(Nicolau Maquiavel. O Príncipe, 1998. Adaptado.)
O tema abordado por Maquiavel no excerto também está relacionado ao seu conceito de fortuna, que diz respeito ao fato de o governante
a) |
privilegiar a vontade popular. |
b) |
valorizar a vontade divina. |
c) |
agir com virtude na vida privada. |
d) |
conseguir equilibrar as riquezas reais. |
e) |
saber lidar com imprevistos. |
Nicolau Maquiavel (1469-1527), autor de obras como Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio (1531) e O Príncipe (1532) consolidou-se como um dos principais pensadores da área da ciência política, sendo um dos patriarcas dessa área do conhecimento. A inovação de seu pensamento se dá não apenas em pensar a política a partir do ponto de vista do governo ligado a questões morais, mas também em trazer uma abordagem pragmática para a discussão. Maquiavel pensava a política não como ela devia ser (como o fez a tradição ocidental desde a República de Platão) mas sim como ela efetivamente era. Dentro desse debate, o autor identifica conceitos centrais para um bom governante, como a fortuna (a sorte, o acaso) e a virtù (capacidade de agir corretamente, no momento correto).
a) Incorreta. No pensamento maquiaveliano expresso em O Príncipe, obra da qual o excerto foi retirado, aparece uma série de recomendações para o governante, a respeito de como agir e conservar a estabilidade de seu poder. A centralidade da proposta está no governante, e não nos súditos, portanto, não se defende a vontade popular como aspecto mais importante do agir daquele que governa. Porém, devemos notar que Maquuiavel também se atenta aos riscos de ignorar completamente as demandas e pressões populares, o que pode gerar revoltas e instabilidades.
b) Incorreta. Dentro da lógica de abordar realisticamente a política, Maquiavel não recorre a nenhum argumento religioso ou ligado ao sobrenatural, diferentemente do que fariam posteriormente autores como Jean Bodin (1530-1596) e Jacques Bossuet (1627-1704), que justificaram a autoridade real por meio da ideia de direito divino.
c) Incorreta. Como o que se discute é a ação do governante, o que realmente pesa na balança de suas atitudes é sua imagem pública, a maneira como se mostra diante dos outros, e especificamente, dos súditos e aliados, e não o que realiza em sua vida privada. Há uma separação bastante clara entre a figura pública e a figura privada no pensamento maquiaveliano.
d) Incorreta. O excerto não faz qualquer referência às riquezas reais e o conceito de fortuna refere-se à sorte ou infortúnios, relacionando-se aos eventos favoráveis ou desfavoráveis a determinado governo e à maneira como o governante reage a tais eventos, não sendo aplicável apenas em questões econômicas, relativas a riquezas, propriedades ou finanças.
e) Correta. O conceito de fortuna remete ao acaso, a acontecimentos não planejados, que podem tanto ser positivos quanto negativos. Dessa maneira, Maquiavel argumenta que um governante hábil deve saber lidar com a fortuna, aproveitando-a caso se trate de um golpe de sorte, ou lidando com problemas ou imprevistos, caso se trate de um acontecimento inesperado e danoso.