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Questão 3 Unesp 2022 - 1ª fase - dia 1

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Questão 3

Iluminismo

Para responder às questões de 02 a 07, leia a crônica “Almas penadas”, de Olavo Bilac, publicada originalmente em 1902.

  Outro fantasma?... é verdade: outro fantasma. Já tardava. O Rio de Janeiro não pode passar muito tempo sem o seu lobisomem. Parece que tudo aqui concorre para nos impelir ao amor do sobrenatural [...]. Agora, já se não adormecem as crianças com histórias de fadas e de almas do outro mundo. Mas, ainda há menos de cinquenta anos, este era um povo de beatos [...]. [...] Os tempos melhoraram, mas guardam ainda um pouco dessa primitiva credulidade. Inventar um fantasma é ainda um magnífico recurso para quem quer levar a bom termo qualquer grossa patifaria. As almas simples vão propagando o terror, e, sob a capa e a salvaguarda desse temor, os patifes vão rejubilando.

  O novo espectro que nos aparece é o de Catumbi. Começou a surgir vagamente, sem espalhafato, pelo pacato bairro — como um fantasma de grande e louvável modéstia. E tão esbatido1 passava o seu vulto na treva, tão sutilmente deslizava ao longo das casas adormecidas — que as primeiras pessoas que o viram não puderam em consciência dizer se era duende macho ou duende fêmea. [...] O fantasma não falava — naturalmente por saber de longa data que pela boca é que morrem os peixes e os fantasmas... Também, ninguém lhe falava — não por experiência, mas por medo. Porque, enfim, pode um homem ter nascido num século de luzes e de descrenças, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revolução Francesa, e não acreditar nem em Deus nem no Diabo — e, apesar disso, sentir a voz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras2 , uma avantesma3 ...

  Assim, um profundo mistério cercava a existência do lobisomem de Catumbi — quando começaram de aparecer vestígios assinalados de sua passagem, não já pelas ruas, mas pelo interior das casas. Não vades agora crer que se tenham sumido, por exemplo, as hóstias consagradas da igreja de Catumbi, ou que os empregados do cemitério de S. Francisco de Paula tenham achado alguma sepultura vazia, ou que algum circunspecto pai de família, certa manhã, ao despertar, tenha dado pela falta... da própria alma. Nada disso. Os fenômenos eram outros. Desta casa sumiram-se as arandelas, daquela outra as galinhas, daquela outra as joias... E a polícia, finalmente, adquiriu a convicção de que o lobisomem, para perpétua e suprema vergonha de toda a sua classe, andava acumulando novos pecados sobre os pecados antigos, e dando-se à prática de excessos menos merecedores de exorcismos que de cadeia.

  Dizem as folhas4 que a polícia, competentemente munida de bentinhos5 e de revólveres, de amuletos e de sabres, assaltou anteontem o reduto do fantasma. Um jornal, dando conta da diligência, disse que o delegado achou dentro da casa sinistra — um velho pardieiro6 que fica no topo de uma ladeira íngreme — alguns objetos singulares que pareciam instrumentos “pertencentes a gatunos”. E acrescentou: “alguns morcegos esvoaçavam espavoridos, tentando apagar as velas acesas que os sitiantes7 empunhavam”.

  Esta nota de morcegos deve ser um chique romântico do noticiarista. No fundo da alma de todo o repórter há sempre um poeta... Vamos lá! nestes tempos, que correm, já nem há morcegos. Esses feios quirópteros, esses medonhos ratos alados, companheiros clássicos do terror noturno, já não aparecem pelo bairro civilizado de Catumbi. Os animais, que esvoaçavam espavoridos, eram sem dúvida os frangões roubados aos quintais das casas... Ai dos fantasmas! e mal dos lobisomens! o seu tempo passou.

(Olavo Bilac. Melhores crônicas, 2005.)

1 esbatido: de tom pálido.

2 a desoras: muito tarde.

3 avantesma: alma do outro mundo, fantasma, espectro.

4 folha: periódico diário, jornal.

5 bentinho: objeto de devoção contendo orações escritas.

6 pardieiro: prédio velho ou arruinado.

7 sitiante: policial.


“Porque, enfim, pode um homem ter nascido num século de luzes e de descrenças, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revolução Francesa, e não acreditar nem em Deus nem no Diabo — e, apesar disso, sentir a voz presa na garganta, quando encontra na rua, a desoras, uma avantesma...” (2o parágrafo)

Nesse trecho, o cronista acaba por desconstruir a oposição entre



a)

razão e século de luzes.

b)

razão e crendice.

c)

razão e descrença.

d)

Iluminismo e Liberalismo.

e)

Iluminismo e Revolução Francesa.

Resolução

O Iluminismo representou a principal matriz intelectual do século XVIII, período que ficou conhecido como século das luzes. Esse movimento contrapunha-se ao Antigo Regime europeu, conceito que abrange o absolutismo monárquico, a organização estamental da sociedade e o mercantilismo. A partir da crítica da antiga ordem europeia, os iluministas defendiam a criação de uma sociedade fundada nos postulados da Razão e do progresso da espécie humana. Para muitos especialistas, o Iluminismo é o ponto de partida das sociedades contemporâneas, baseadas na valorização da racionalidade científica. 

a) Incorreta. Não existe uma oposição entre razão e o século das luzes. O Iluminismo, movimento que tem como principal característica a valorização da racionalidade, triunfou no século XVIII e fez com que o período ficasse conhecido como século das luzes. Os iluministas acreditavam estarem iluminando com as "luzes da razão" a humanidade, após um período de obscurantismo e ignorância. 

b) Correta. O trecho desconstrói a oposição entre razão e crendice, pois sugere que, mesmo tendo "nascido num século de luzes e de descrenças, e ter mamado o leite do liberalismo nos estafados seios da Revolução Francesa", um homem pode sentir medo quando encontra um fantasma tarde da noite. Ou seja, ainda que sejamos herdeiros do Iluminismo, fenômenos sem explicação racional - chamados de crendices - podem causar medo. 

c) Incorreta. Razão e descrença não são opostos. No contexto do Iluminismo, a concepção de "descrença" está relacionada a crer ou não nas "crendices", crenças populares sem fundamentos e vistas pelos iluministas como pejorativas, pois representavam a oposição do amparo no conhecimento racional. Os iluministas tinham a pretensão de libertar seus contemporâneos dessas superstições, consideradas sinais de ignorância por eles. 

d) Incorreta. Iluminismo e Liberalismo não configuram uma oposição. Os princípios do Liberalismo político foram desenvolvidos por John Locke (1632-1704) e os do liberalismo econômico por Adam Smith (1723-1790), ambos vinculados ao Iluminismo. 

e) Incorreta. Não há oposição entre Iluminismo e Revolução francesa. A revolução ocorrida na França em 1789 teve como principal base o Iluminismo e representou a derrocada do Antigo Regime naquele país.