O tópico clássico do locus amoenus está bem exemplificado nos seguintes versos do poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage:
a) |
O ledo passarinho, que gorjeia D’alma exprimindo a cândida ternura, O rio transparente, que murmura, E por entre pedrinhas serpenteia: |
b) |
Já sobre o coche de ébano estrelado Deu meio giro a noite escura e feia; Que profundo silêncio me rodeia Neste deserto bosque, à luz vedado! |
c) |
Ante a doce visão com que me enlaças, Já murcho, estéril já, meu ser floresce: Mas súbito fantasma eis desvanece Chusma de encantos, que em teu sonho abraças: |
d) |
Já o Inverno, espremendo as cãs nevosas, Geme, de horrendas nuvens carregado; Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado Investe ao Polo em serras escumosas; |
e) |
Quando por entre os véus da noite fria A máquina celeste observo acesa, Da angústia, de terror a imagens presa Começa a devorar-me a fantasia. |
Locus amoenus ("lugar ameno") é uma expressão latina que designa um ambiente ideal, normalmente associado ao cenário bucólico, campestre. A natureza é retratada de forma simples e harmoniosa, despertando sensações de conforto e segurança. O tópico do locus amoenus é bastante presente na literatura árcade, neoclássica, na qual insere-se Manuel Maria Barbosa du Bocage.
a) Correta. Os versos descrevem um cenário bucólico, caracterizando a natureza em sua simplicidade. Os elementos que compõem a paisagem despertam uma sensação agradável, tal como preconiza o tópico do locus amoenus. Ao passarinho, associam-se a alegria (“ledo”), a pureza e a meiguice (“cândida ternura”); a transparência do rio e seu murmúrio reforçam a ideia de leveza e de tranquilidade. Destacam-se também o uso do diminutivo em “pedrinhas” e o movimento em curvas das águas, que serpenteiam, na composição de um ambiente delicado, suave e harmonioso.
b) Incorreta. O excerto apresenta um ambiente noturno, escuro e feio, cenário incompatível com o locus amoenus. Além disso, os dois últimos versos sugerem que o eu lírico sente-se solitário em tal ambiente. Não há, portanto, a sensação agradável, confortável e segura despertada pelo locus amoenus.
c) Incorreta. Os versos não estão focados na descrição de um ambiente, mas na reação do eu lírico que, por um instante, reaviva-se perante uma "doce visão" associada ao interlocutor do poema. Além disso, termos como "murcho" e "estéril", associados ao eu poemático, e a menção a um "fantasma", fogem completamente ao ideal do locus amoenus.
d) Incorreta. O excerto apresenta um cenário completamente oposto ao locus amoenus: frio, violento, agitado. Trata-se do inverno, e a natureza revela-se hostil, despertando sentimentos de insegurança, medo e horror.
e) Incorreta. No trecho, o eu lírico encontra-se em um ambiente associado à angústia e terror, "por entre os véus da noite fria", incompatível com o cenário acolhedor e confortável do locus amoenus.