Para responder às questões de 14 a 19, leia o artigo “Pó de pirlimpimpim”, do neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro.
Alcançar o aprendizado instantâneo é um desejo poderoso, pois o cérebro sem informação é pouco mais que estofo de macela1 . Emília, a sabida boneca de Monteiro Lobato, aprendeu a falar copiosamente após engolir uma pílula, adquirindo de supetão todo o vocabulário dos seres humanos ao seu redor. No filme Matrix (1999), a ingestão de uma pílula colorida faz o personagem Neo descobrir que todo o mundo em que sempre viveu não passa de uma simulação chamada Matriz, dentro da qual é possível programar qualquer coisa. Poucos instantes depois de se conectar a um computador, Neo desperta e profere estupefato: “I know kung fu”.
Entretanto, na matriz cerebral das pessoas de carne e osso, vale o dito popular: “Urubu, pra cantar, demora.” O aprendizado de comportamentos complexos é difícil e demorado, pois requer a alteração massiva de conexões neuronais. Há consenso hoje em dia de que o conteúdo dos nossos pensamentos deriva dos padrões de ativação de vastas redes neuronais, impossibilitando a aquisição instantânea de memórias intrincadas.
Mas nem sempre foi assim. Há meio século, experimentos realizados na Universidade de Michigan pareciam indicar que as planárias, vermes aquáticos passíveis de condicionamento clássico, eram capazes de adquirir, mesmo sem treinamento, associações estímulo-resposta por ingestão de um extrato de planárias já condicionadas. O resultado, aparentemente revolucionário, sugeria que os substratos materiais da memória são moléculas. Contudo, estudos posteriores demonstraram que a ingestão de planárias não condicionadas também acelerava o aprendizado, revelando um efeito hormonal genérico, independente do conteúdo das memórias presentes nas planárias ingeridas.
A ingestão de memórias é impossível porque elas são estados complexos de redes neuronais, não um quantum de significado como a pílula da Emília. Por outro lado, é sim possível acelerar a consolidação das memórias por meio da otimização de variáveis fisiológicas envolvidas no processo. Uma linha de pesquisa importante diz respeito ao sono, cujo benefício à consolidação de memórias já foi comprovado. Em 2006, pesquisadores alemães publicaram um estudo sobre os efeitos mnemônicos da estimulação cerebral com ondas lentas (0,75 Hz) aplicadas durante o sono por meio de um estimulador elétrico. Os resultados mostraram que a estimulação de baixa frequência é suficiente para melhorar o aprendizado de diferentes tarefas. Ao que parece, as oscilações lentas do sono são puro pó de pirlimpimpim.
(Sidarta Ribeiro. Limiar: ciência e vida contemporânea, 2020.)
1 macela: planta herbácea cujas flores costumam ser usadas pela população como estofo de travesseiros.
Por se tratar de um artigo de divulgação científica (e não um artigo científico propriamente), predomina no texto uma linguagem
a) |
técnica. |
b) |
acessível. |
c) |
informal. |
d) |
figurada. |
e) |
hermética. |
a) Incorreta. Embora haja menção a termos técnicos (como no trecho “efeitos mnemônicos da estimulação cerebral com ondas lentas (0,75 Hz) aplicadas durante o sono por meio de um estimulador elétrico”), essa não é a linguagem predominante no texto.
b) Correta. Como mencionado pela própria questão, o texto reproduzido não é um artigo científico, produção textual que circula em ambientes acadêmicos e que é destinada a um público específico – especificidade que possibilita a utilização de uma linguagem mais técnica e pouco acessível a leitores leigos. O artigo do neurocientista Sidarta Ribeiro busca desconstruir ao público geral a concepção de que “a aquisição instantânea de memórias intrincadas” é possível. Apesar de tal limitação, segundo Ribeiro, é possível “acelerar a consolidação das memórias por meio da otimização de variáveis fisiológicas envolvidas no processo”. Essa descoberta científica é apresentada aos leitores por meio de uma linguagem acessível e pouco técnica. A menção a produções culturais – como ao filme Matrix e à obra literária “Sítio do Pica Pau Amarelo” – visa mobilizar um elemento elucidativo ao leitor leigo, que, através da comparação, consegue compreender mais facilmente os processos biológicos aos quais o autor faz referência. Além disso, a menção a um ditado popular é também uma estratégia de tornar as ideias mais compreensíveis ao público geral.
c) Incorreta. Embora o texto tenha trechos que destoem da linguagem formal (como em “Emília, a sabida boneca de Monteiro Lobato, aprendeu a falar copiosamente após engolir uma pílula, adquirindo de supetão todo o vocabulário dos seres humanos ao seu redor.”), o artigo é majoritariamente redigido em linguagem formal.
d) Incorreta. No final do texto, para concluir seu raciocínio, o autor lança mão de uma metáfora: “Ao que parece, as oscilações lentas do sono são puro pó de pirlimpimpim”. No entanto, mesmo que haja linguagem figurada nesse trecho, ela não predomina ao longo do artigo.
e) Incorreta. A linguagem hermética pode ser definida como aquela de difícil compreensão; verborrágica, o que não se verifica no texto de Sidarta Ribeiro.