A rainha Nzinga (1624-1663), governante seiscentista do Ndongo, um reino da África Central situado na atual Angola, chegou ao poder graças à sua competência militar, à diplomacia bem sucedida, à manipulação da religião e de conflitos entre potências europeias. Ela criou as condições para a primeira sublevação popular mbundu contra a exploração portuguesa ao atrair para sua causa os chefes que estavam sob influência europeia. Depois conquistou o reino vizinho de Matamba e o governou por três décadas junto com o que restou do poderoso reino Ndongo; desafiou treze governadores portugueses que regeram Angola entre 1622 e 1633. Apesar de seus feitos e o longo reinado, comparável ao de Elizabeth I (1503—1603) da Inglaterra, ela foi desacreditada pelos contemporâneos europeus e por autores posteriores.
(Adaptado de Linda Heywood, Nzinga de Angola: a rainha guerreira de África. Lisboa: Casa das Letras, 2017. p. 10-12; 82.)
Com base no excerto e em seus conhecimentos, é correto afirmar que a rainha Nzinga:
a) |
Utilizou, como estratégias políticas para conter o avanço português em seus territórios, a formação de alianças com reinos vizinhos (como Congo), a exploração dos conflitos entre Portugal e Holanda e a interferência nas redes do tráfico. |
b) |
Expulsou os portugueses de Angola e reconstruiu o reino do Ndongo em sua extensão original através da política de distribuição de terras aos sobas que aceitaram a sua legitimidade no trono. |
c) |
Aboliu o tráfico atlântico de escravizados, apesar da oposição de missionários e comerciantes portugueses que viviam em Luanda, e perseguiu os sobas envolvidos com o comércio. |
d) |
Enfrentou um mundo onde o imaginário monárquico e o ideário político eram hegemonicamente masculinos e, assim como a Rainha Elizabeth I, não teve sucesso político e militar. |
A rainha Nzinga Mbandi é uma das personalidades mais famosas e controversas da história centro-africana, além de seu governo ser um dos mais bem documentados do reino do Ndongo. Nzinga passou seus último anos como cristã, após 40 anos de guerra contra os portugueses, sendo sua atuação exemplar da resistência africana contra a dominação europeia. Durante sua trajetória, ficam evidentes as habilidades como estrategista política e miliar da rainha, que utilizou diversas estratégias e artimanhas para se livrar dos cercos empreendidos pelos governantes portugueses durante as guerras angolanas. O termo "guerras angolanas" refere-se principalmente ao período entre 1580-1660, sendo o período entre 1624-1660 o mais acirrado, quando a principal inimiga dos portugues foi a rainha Nzinga.
a) Correta. Dentre as estratégias adotadas por Nzinga nas Guerras Angolanas, uma foi o apoio concedido aos holandeses no contexto de sua tomada de Luanda, em 1641. A aproximação com a Holanda foi um meio de prejudicar economicamente os portugueses no tráfico atlântico, já que afetava uma valiosa rota de escravos controlada pelos portugueses. Vale lembrar que, nesse contexto, os holandeses tinham sido excluídos da participação no negócio do açúcar no Brasil, devido à formação da União Ibérica (1580-1640). Buscando reatar seu controle no porto de Luanda, a partir de 1645, Portugal envia auxílios militares oriundos da América Portuguesa, levando a um conflito que persistiu até 1648, data de expulsão dos holandeses de Angola. Nzinga também atuou ativamente para prejudicar as redes do tráfico de escravos mantidas por Portugal a partir do estímulo à fuga de escravos, sendo que estes quase sempre permaneciam fiéis a ela e lutavam a seu lado. A rainha concedia também asilo aos escravos fugidos, além de atacar de forma sistemática as feiras onde se realizava o comércio destes. Por fim, Nzinga reuniu em uma grande confederação vários chefes descontentes com a presença portuguesa. Ela se tornou uma referência política ao conseguir agregar mani Congo, os sobas da Quissama, do Lumbo, do Libolo, dos Songo e alguns sobas do Kwanzaem em torno de sua campanha contra os portugueses.
b) Incorreta. Não é correto afirmar que Nzinga expulsou os portugueses do Ndongo. Em 1656, após uma série de negociações, ela assinou um acordo de paz. Converteu-se ao cristianismo e permitiu a entrada de portugueses em seu territórios, adotando rituais cristãos. Embora tenha reestabelecido relações comerciais com Luanda, o reino não se tornou tributário de Portugal.
c) Incorreta. Não é correto afirmar que Nzinga tenha abolido o tráfico atlântico de escravizados, embora tenha realizado várias ações visando dificultá-lo, conforme exposto na justificativa da alternativa A. Os sobas, que eram chefes locais, não foram perseguidos por Nzinga. O fato de Nzinga ser descendente dos jagas (grupos de guerreiros nômades que viviam de saques), pela linha paterna, e dos ambundos (grupo étnico banto), pela materna, garantia que ela fosse aceita como rainha por parte dos sobas de vários grupos étnicos.
d) Incorreta. O texto da questão afirma que seus feitos e seu longo reinado são comparáveis ao de Elizabeth I, embora Nzinga tenha sido desacreditada por autores posteriores. O exposto na alternativa evidencia as habilidades militares e políticas da rainha, que impressionou mesmo viajantes da época, além dela própria guerrear com destreza. Vale destacar ainda que, após seu falecimento em 1633, como herança, o reino foi governado durante quase 100 anos por mulheres.