Não parece ser obra do acaso a preservação da unidade territorial do Império do Brasil, quando comparada à fragmentação política experimentada pelos antigos vicereinos hispano-americanos, entre 1810 e 1825. Em Lisboa, no âmbito da Sociedade Real Marítima e Militar (1798- 1807), foram preparadas memórias históricas, corográficas e roteiros hidrográficos redigidos pelos engenheiros militares e navais. Esta documentação serviu à diplomacia do Império brasileiro nos tribunais internacionais; mas também, muniu, internamente, a organização das expedições de conquista territorial, levadas ao cabo pelas elites regionais antes e após a Independência.
(Adaptado de Iris Kantor, Mapas em trânsito: projeções cartográficas e processo de emancipação política do Brasil (1779-1822). Araucaria. Ver. Iberoamericana de Filos., Polít. y Humanidades. 2010, 12, n. 24. p. 110.)
Considerando o excerto acima e seus estudos, pode-se afirmar que
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o processo de fragmentação política da América hispânica durante o período da independência foi similar ao processo histórico da independência no Brasil. |
b) |
na Sociedade Real Marítima e Militar, os estudos dos engenheiros militares e navais eram documentos públicos amplamente divulgados em livros didáticos da época. |
c) |
a documentação da Sociedade Real Marítima e Militar foi usada, no Brasil, na fundação do Estado e no reconhecimento territorial da nação. |
d) |
as elites regionais, formadas em Direito, atuaram na formação do território brasileiro, pouco dialogando com os estudos de engenharia militar. |
A Sociedade Real Marítima e Militar - o nome integral da instituição era Sociedade Real, Marítima, Militar e Geográfica para o Desenho, Gravura e Impressão das Cartas Hidrográficas, Geográficas e Militares - foi estabelecida em Portugal no ano de 1798, durante o governo de D. Maria I.
O objetivo da sociedade era centralizar os trabalhos de cartografia do império português, que até então possuíam uma relativa dispersão. Essa proposta atinge também as colônias, e, de maneira destacada, o Brasil, que seria palco de diversos trabalhos cartográficos, principalmente durante a regência de D. João, que se inicia em 1792.
Embora as Guerras Napoleônicas tenham desorganizado o governo português, que encerra a Sociedade Real Marítima e Militar em 1807, a vinda da família real ao Brasil e o estabelecimento da sede imperial na colônia faz com que diversos trabalhos cartográficos e de estudo do território americano ocorram ao longo do Período Joanino (1808-1821). Alguns documentos produzidos ao longo da existência da sociedade foram trazidos para a colônia, possibilitando seu uso no contexto brasileiro, algo observado não só durante o período colonial, mas também ao longo e após o processo de independência
a) Incorreta. Os processos de independência da América hispânica e da América portuguesa foram bastante distintos, e não similares, como afirma a alternativa. Enquanto o território colonial da Espanha se fragmentou em diversos países, o Brasil se consolidou como um império com território unificado. Essa diferença possui várias explicações: a distinção entre os projetos representados pelas elites locais na América hispânica; o fato da independência do Brasil ter sido conduzida pelo herdeiro do trono português; a mudança no estatuto de colônia do Brasil com a abertura dos portos ordenada por D. João em 1808 e, posteriormente, com a elevação a Reino Unido com Portugal, em 1815; a adesão de parte dos representantes criollos (descendentes de espanhois nascidos na América) defensores da emancipação a projetos republicanos e abolicionistas; a vitória do império brasileiro em diversas guerras pós-independência, travadas contra províncias que resistiam ao processo de emancipação, como a Cisplatina, o Piauí e a Bahia. Dentre essas causas, destaca-se a atuação da própria família real portuguesa no andamento do processo de independência do Brasil, levando a uma série de continuidades no novo país que surgiu em 1822. Dessa forma, percebemos que os estudos traçados pela Sociedade Real Marítima e Militar puderam ser usados, no contexto brasileiro, tanto no Período Colonial quanto nos anos em que a família real aqui estava e também quando o país já havia alcançado sua independência, demonstrando uma continuidade no planejamento sobre o território brasileiro.
b) Incorreta. Os documentos produzidos pela Sociedade Real Marítima e Militar não foram amplamente divulgados em livros didáticos ou em qualquer outro meio. Era uma documentação voltada às autoridades políticas, militares e diplomáticas de Portugal, e posteriormente, do Brasil Joanino e do Império Brasileiro.
c) Correta. Embora a sociedade abordada pela questão tenha sido criada em contexto português, e tenha se encerrado antes que o Brasil fosse independente, o material por ela produzido serviu de base para o delineamento do território nacional no momento de fundação do império brasileiro. Quando o país se tornou independente, em 1822, os documentos cartográficos produzidos no âmbito da sociedade puderam ajudar a estabelecer o que era o território brasileiro, algo central para a fundação de um Estado e para as definições de sua extensão e limites territoriais. As próprias guerras travadas por D. Pedro I para garantir a unidade do território expressam a visão geográfica que o novo império brasileiro possuía, visão em parte derivada dos estudos cartográficos e da diplomacia portuguesa: se uma guerra foi travada contra uma província para impedir seu desligamento do país, é porque se defendia que aquela provincia era parte integrante do território do Brasil.
d) Incorreta. É possível considerar que as elites regionais atuaram na formação do território brasileiro e que parte expressiva de seus componentes - como os filhos de grandes proprietários - eram formados em Direito. Porém, para essa formação, foi necessário um diálogo com os engenheiros militares e com seus projetos e estudos, não sendo viável afirmar, como o faz a alternativa, que não houve essa comunicação ou junção de ideias. O projeto cartográfico, militar e geográfico que se desenvolve no início da consolidação do Estado brasileiro não provém apenas de uma estrutura ligada ao Direito ou à cartografia militar, mas sim a uma junção desses elementos. Para além do reconhecimento do território, é necessário que exista uma ação político-diplomática para consolidá-lo como parte do país, e também que seja elaborado um conjunto de normas legais que mantenham esse território sob domínio jurídico do Estado recém-formado. Dessa maneira, há uma união de interesses de algumas elites locais e do nascente império brasileiro, e uma utilização em conjunto da engenharia militar-cartográfica e do Direito.