No dia 12 de outubro de 1492, três navios a serviço da coroa de Castela, comandados pelo navegador genovês Cristóvão Colombo, chegaram às atuais Bahamas. Relacione tal acontecimento com a
a) concepção medieval-cristã de que a Terra era uma criação de Deus;
b) competição mercantil interestatal europeia de fins do século XV;
c) memória construída em torno dele em dois momentos dos séculos XX ou XXI.
a) A viagem de Colombo, e seu contato com os nativo-americanos, colocaram uma série de novas questões para o contexto europeu de finais do século XV e início do XVI, contexto esse profundamente marcado pela concepção cristã a respeito da criação do mundo. Apesar de Cristóvão Colombo ter planejado uma viagem às Índias, e de ter se mantido firme na opinião de que havia atingido o continente asiático, e não aportado a um conjunto de terras ainda não explorados pelos europeus, o choque cultural decorrente do contato transforma permanentemente os americanos e também os europeus. Como a crença cristã sobre a origem da Terra baseava-se na noção de que a humanidade foi criada por Deus a partir dos seres humanos originais, Adão e Eva, que por sua vez ocupavam um território moldado pela divindade no período de uma semana, a presença de um novo continente e de novas etnias foi perturbadora para os europeus cristãos da época. Buscaram-se, então, a partir das explorações que foram acontecendo ao longo do século XVI, novos argumentos e maneiras de se explicar a origem daquelas populações. De acordo com o livro bíblico de Gênesis, Noé havia tido três filhos: Sem, Cam e Jafet. Desenvolveu-se, portanto, a noção de que a humanidade conhecida havia derivado dessas três raízes, que por sua vez remetiam à Adão e Eva e à expulsão do Jardim do Éden. Com o encontro com nativo-americanos, era necessária uma mudança na interpretação, ou ao menos um alargamento dela. A partir daí, buscaram-se teorias que pudessem ligar os indígenas do continente que ganharia o nome de América com a tradição bíblica, como a hipótese de que São Tomé teria estado nas Américas para pregar o evangelho. Outra corrente de pensamento chega a associar o continente com o paraíso terrestre, o local de onde Adão e Eva teriam sido expulsos. Mas, ao fim e ao cabo, a viagem de Colombo iniciou um processo de choque cultural que mudou definitivamemte as culturas envolvidas (com alguns resultados brutais) e trouxe a noção de alteridade aos viajantes europeus e aos nativos, ou seja, a descoberta de que havia o outro, antes separado por um oceano e agora fazendo parte do mesmo mundo. A ideia, tanto geográfica quanto religiosa, que se possuía de mundo, alargou-se de maneira inevitável e o pensamento cristão inclusive aproveitou esse alargamento para estender a pregação de sua religião entre as populações nativas.
b) Mesmo Colombo sendo de origem genovesa, sua viagem às Índias - que resultou na chegada ao que seria denominado posteriormente como América - foi patrocinada pela coroa espanhola, representada pelo Rei Fernando e pela Rainha Isabel. Dessa forma, a Espanha ganha uma certa vantagem no cenário das navegações em finais do século XV, já que um território a mais se abre para exploração e para o estabelecimento de rotas comerciais e de espaços de extração de matéria-prima. Ao mesmo tempo em que se firma essa vantagem, a competição também vai se intensificar, já que o outro país ibérico, Portugal, também era extramamente atuante nas navegações. É possível, inclusive, que Colombo tenha desenvolvido seu projeto de chegada à Ásia via circunavegação do globo terrestre quando esteve em Portugal. Não podemos afirmar nada em caráter definitivo a respeito disso, já que a documentação é incerta, mas a possibilidade de contato de Colombo com as navegações portuguesas não é algo a ser desprezado. Portugal, inclusive, já havia conseguido cruzar o Cabo das Tormentas (tornado Cabo da Boa Esperança), em 1488, antes da primeria viagem de Colombo; e chegaria às Índias, com Vasco da Gama, em 1498. O próprio Colombo continuaria suas explorações e realizaria outras viagens, o que exemplifica o cenário de competição mercantil entre os Estados europeus, representado pelas navegações.
c) A figura de Colombo foi ressignificada ao longo do tempo, com diversas pesquisas historiográficas e movimentos políticos e sociais sendo responsáveis por esse processo. Até meados do século XX, por exemplo, não se faziam grandes questionamentos sobre a ideia de descobrimento da América, ou seja, a figura de Colombo era louvada como o descobridor do continente, esquecendo detalhes como a própria crença do navegador de que havia chegado às Índias ou o conceito problemático de descobrimento. Obras como a do historiador mexicano Edmundo O'Gorman, que, em seu A Invenção da América (1958) traz documentos que lhe ajudam a argumentar sobre os problemas em se atribuir a Colombo a noção de descobrimento, derrubam o mito colombino de seu pedestal e propõem uma nova elaboração memorialística. Mesmo que O'Gorman escreva duzentas páginas para depois prejudicar toda sua tese na conclusão, ao afirmar a superioridade da cultura europeia sobre as demais, seu trabalho foi pioneiro em questionar a mitificação de Colombo e em mostrar como a noção de América foi elaborada, inventada.
Em quase toda a América, a figura de Colombo e a noção de descobrimento são comemorados em outubro, em referência ao dia 12 de outubro de 1492, quando as naus de Colombo aportaram na atual América Central. Por ocasião dos quinhentos anos da data, em 1992, as comemorações foram ainda mais estrondosas, contando inclusive com o lançamento de um filme sobre as viagens de Colombo dirigido por Ridley Scott, 1942: A Conquista do Paraíso. Nos Estados Unidos, por exemplo, há a comemoração do Columbus Day, festa muito significativa para os ítalo-americanos, que enxergam na figura do navegador uma maneira de construir uma memória gloriosa sobre a ascendência italiana, que simbolizaria também o movimento migratório Itália-América. Movimentos sociais e organizações ligadas às lutas pelos direitos dos nativo-americanos questionam essa comemoração e esse louvor a Colombo, identificando-o não como descobridor glorioso, mas sim como iniciador do processo de genocídio indígena nas Américas. Assim, elabora-se uma memória crítica a respeito do brutal genocídio espanhol. Algumas comunidades nativas inclusive comemoram o Indigenous Peoples' Day no mesmo dia em que se comemoraria o Columbus Day. Esse movimento de crítica à memória oficial ou patriótica vem tendo mais aceitação nos últimos anos, com ações como o cancelamento das festas em honra a Colombo ou o ataque às estátuas que o representam, o que levou inclusive a que alguns momumentos fossem retirados de maneira definitiva e oficial do espaço público, levando também a uma ressignificação da memória espacial.