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Questão 12 Unifesp 2021 - 2ª fase - Português, Inglês e Redação - Versão 1

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Questão 12

Fernando Pessoa

Leia o poema de Fernando Pessoa.

 

Cruz na porta da tabacaria!

Quem morreu? O próprio Alves? Dou

Ao diabo o bem-’star que trazia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Quem era? Ora, era quem eu via.

Todos os dias o via. Estou

Agora sem essa monotonia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Ele era o dono da tabacaria.

Um ponto de referência de quem sou.

Eu passava ali de noite e de dia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Meu coração tem pouca alegria,

E isto diz que é morte aquilo onde estou.

Horror fechado da tabacaria!

Desde ontem a cidade mudou.

 

Mas ao menos a ele alguém o via,

Ele era fixo, eu, o que vou,

Se morrer, não falto, e ninguém diria:

Desde ontem a cidade mudou.

(Obra poética, 1997.)


No poema, o eu lírico sente-se

 



a)

desorientado e melancólico.

b)

desamparado e entediado.

c)

nostálgico e orgulhoso.

d)

perplexo e eufórico.

e)

aliviado e resignado.

Resolução

a) Correta. O eu lírico relata seu assombro e inquietação diante da morte do Alves, o dono da tabacaria pela qual ele sempre passava. A presença desse personagem era algo fixo na rotina do eu lírico, que, além de lhe dar um certo conforto em meio à vida agitada da cidade, era, segundo ele próprio, “um ponto de referência de quem sou”. Dessa forma, compreende-se a desorientação do poeta, pois a morte do Alves trouxe uma mudança em seu entorno: ele constata que “desde ontem a cidade mudou” e lamenta que está “agora sem essa monotonia”. Ele se encontra desorientado, pois, aquilo que lhe dava uma sensação de estabilidade e segurança não existe mais.

A melancolia do poeta pode ser observada em seu confronto com a morte de uma pessoa que fazia parte de sua rotina, sentimento que pode ser observado nos seguintes versos: “Meu coração tem pouca alegria,/ E isto diz que é morte aquilo onde estou”. Essa melancolia também pode ser verificada na constatação de que ao Alves “ao menos a ele alguém o via”, porém, de acordo com o poeta “se morrer, não falto, e ninguém diria:/ Desde ontem a cidade mudou”, ou seja, o dono da Tabacaria tinha uma existência fixa e era sempre notado por aqueles que passavam, por isso, sua ausência seria sentida. O poeta, por sua vez, tem uma existência cambiante de quem está sempre de passagem – “Ele era fixo, eu, o que vou” – e, por isso, ele constata que “se morrer, não falto, e ninguém diria:/ Desde ontem a cidade mudou”. Por não se fixar em nenhum lugar, o poeta não fará parte da vida de ninguém e, assim, sua ausência não será sentida.

b) Incorreta. É possível afirmar que o eu lírico experimenta um desamparo (sentimento de abandono) diante da morte de Alves, no entanto, ele não afirma estar entediado (aborrecido, cansado). Sua melancolia e desorientação devem-se ao fato de a sua rotina ter sofrido uma mudança.

c) Incorreta. Verifica-se a expressão da nostalgia (melancolia profunda) provocada pela morte de uma pessoa conhecida, mas, em nenhum momento, o eu lírico expressa o sentimento de orgulho (prazer com a própria honra).

d) Incorreta. Pode-se afirmar que a morte do dono da tabacaria trouxe perplexidade  (surpresa) ao eu lírico, porém, o sentimento vivenciado é oposto à euforia (grande alegria).

e) Incorreta. A morte de Alves não trouxe alívio, mas inquietação. Também não há resignação (submissão), mas uma melancolia diante da morte.