Em 10 de outubro de 1810, Adandozan (1797-1818), rei do Daomé, no atual Benim, enviou uma carta para o Brasil endereçada a Dom João, príncipe regente, acompanhada de uma lista de presentes contendo objetos de prestígio cujo uso era privilégio real. Uma parte dos artefatos descritos na carta integrava o acervo do Museu Nacional, que foi destruído em um grande incêndio no ano de 2018. Entre os objetos que Adandozan usou para presentear Dom João, destacavam-se o trono do rei daomeano (imagem ao lado), cetros, bengalas, bolsa, sandália e abanos.
(Adaptado de SOARES, Mariza de Carvalho. Trocando galanterias: a diplomacia do comércio de escravos, Brasil-Daomé, 1810-1812.Afro-Ásia,Salvador,n. 49,p. 229-271.)
Com base no excerto e na imagem:
a) cite e explique uma das funções assumidas pelos objetos no âmbito da diplomacia estabelecida entre Brasil e África no começo do século XIX;
b) descreva o impacto da destruição destes objetos no incêndio do Museu Nacional para o Brasil e para o Benim.
a) Os presentes e as cartas enviadas pelo rei Adandozan buscavam reafirmar a aliança entre o Reino de Daomé e o Reino de Portugal, amizade estabelecida desde o século XVIII e reafirmada ao longo de anos de parceria dinástica e comercial. No caso dos objetos retratados na imagem, eles são símbolos máximos da autoridade monárquica de Daomé, como o trono, o cetro e as sandálias, todos de uso exclusivo do próprio Rei. Ao optar pelo envio de símbolos máximos do poder monárquico em Daomé para Dom João VI, buscava-se consolidar e celebrar a amizade e proximidade entre dois reinos considerados irmãos, unidos tanto pela histórica compartilhada, pela fé Cristã, pelos laços dinásticos de amizade e comércio entre os reinos.
b) Tais objetos consistem em símbolos máximos da relação histórica, política e diplomática entre Portugal, Brasil e o reino de Daomé nos séculos XVIII e XIX. Sua exposição revelava tanto elementos próprios da cultura material de Daomé (como sua indumentária, a materialização de seus símbolos de poder, suas tradições, etc), como também desnudavam elementos da diplomacia existente entre Portugal e Reinos Africanos no período. Neste ponto, tal exposição propiciava um questionamento ao senso comum histórico brasileiro acerca dos Reinos Africanos, frequentemente reduzidas a "tribos bárbaras" desestruturadas, sem agência própria e a povos facilmente dominados pelos Europeus. Em outras palavras, a exposição de tais peças compartilhadas entre Portugal e Daomé favorecia uma nova leitura sobre a História da África e de suas relações com as estruturas de poder portuguesa e brasileira. Portanto, sua perda no incêndio de 2018 representou nada menos que a destruição de um conjunto de documentos históricos únicos sobre a diplomacia e proximidade político-cultural existente entre Brasil e Benin, bem como a perda de elementos que favoreciam o questionamento do senso comum e do desconhecimento brasileiro sobre a história africana.