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Questão 1 Unicamp 2021 - 2ª fase - dia 1 - Português, Inglês e Redação

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Questão 1

Sobrevivendo no inferno

É preciso também que nos questionemos sobre a finalidade última das obras que julgamos dignas de serem estudadas. Em regra geral, o leitor não profissional, tanto hoje quanto ontem, lê essas obras para encontrar um sentido que lhe permita compreender melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma beleza que enriqueça sua existência; ao fazê-lo, ele compreende melhor a si mesmo.

(Adaptado de T. Todorov, A literatura em perigo.São Paulo: Difel, 2009, p. 32-33.)

 

FÓRMULA MÁGICA DA PAZ

Essa porra é um campo minado
Quantas vezes eu pensei em me jogar daqui?
Mas, aí, minha área é tudo o que eu tenho
A minha vida é aqui e eu não consigo sair
É muito fácil fugir, mas eu não vou
Não vou trair quem eu fui, quem eu sou
Eu gosto de onde eu tô e de onde eu vim
O ensinamento da favela foi muito bom para mim
(...)
A gente vive se matando, irmão, por quê?
Não me olhe assim, eu sou igual a você
Descanse o seu gatilho, descanse o seu gatilho
Entre no trem da malandragem, meu rap é o trilho

(Racionais Mc’s, Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Companhiadas Letras, 2018,p. 121e 129.)

 

a) Identifiquenos versos transcritos acimauma expressão que se opõe ao título da canção e uma outra que o confirma. Explique o título da canção considerando o último verso.

b) Com base no trecho de Todorove no excerto da canção, formule dois argumentos (um ético e um estético) que justifiquem o estudo do rap.



Resolução

a) As expressões que se opõem ao título da canção é “campo minado” e "a gente vive se matando", que remetem a um contexto de guerra com o qual a violência presente na realidade da periferia é comparada. As expressões que confirmam o título são “ensinamento da favela” e “descanse seu gatilho”, sendo que a primeira remete a um conjunto de valores, aprendidos no contexto da comunidade periférica, que visam encontrar alternativas à violência, e a segunda, por sua vez, aponta para a necessidade de se abdicar da violência armada como condição indispensável para se alcançar a paz.

O último verso do excerto se configura como um convite em que o enunciador convida seu interlocutor a entrar no “trem da malandragem”, garantindo-lhe que “meu rap é o trilho”. Tal interpelação pode ser considerada como a apresentação de uma alternativa à realidade violenta vivida pelos jovens moradores da periferia: a malandragem seria uma estratégia que possibilitaria evitar o destino reservado a esses jovens – criminalidade, violência, morte – e encontrar um modo de vida mais pacífico, propiciado pelo rap e pelos valores vinculados a essa manifestação artística. Nesse sentido, a letra apresenta a seu destinatário “a fórmula mágica da paz” anunciada no título cujos “componentes” seriam a rejeição da violência (descanse seu gatilho), o reconhecimento da igualdade entre os moradores da periferia, que vivem realidades semelhantes (eu sou igual a você) e a adesão aos valores coletivos propostos pelos rap.

b) Ao afirmar que o estudo de uma obra literária pode ser motivado pela busca de um “sentido que lhe permita compreender melhor o homem e o mundo”, Todorov apresenta um argumento ético que justifica a eleição do rap como objeto de estudo. Ao se debruçar sobre esse gênero musical, o leitor/ouvinte terá a oportunidade de conhecer a realidade da periferia a partir do ponto de vista dos sujeitos que vivem nela e enfrentam um cotidiano marcado pela violência, pela marginalização, pelo racismo e por uma série de precariedades. Nesse sentido, será possível compreender como essas pessoas veem o mundo e de que forma elas constituem seu pensamento e sua sensibilidade frente à realidade em que vivem.

O segundo argumento apresentado pelo autor é de ordem estética e considera que o estudo de uma determinada obra literária possibilita ao leitor “descobrir uma beleza que enriqueça sua existência”. Essa justificativa pode embasar o estudo do rap, uma vez que esse gênero permite entrar em contato com uma formulação artística capaz de transformar uma realidade de violência, exclusão e miséria em “ritmo e poesia”, em algo belo, capaz de tocar a sensibilidade e mudar o modo como tal realidade e as pessoas que nela vivem são percebidas socialmente.