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Questão 2 Unesp 2021 - 1ª fase - dia 2

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Questão 2

textos jornalísticos

Para responder às questões de 02 a 05, leia a crônica “A obra-prima”, de Lima Barreto, publicada na revista Careta em 25.09.1915.

Marco Aurélio de Jesus, dono de um grande talento e senhor de um sólido saber, resolveu certa vez escrever uma obra sobre filologia.

Seria, certo, a obra-prima ansiosamente esperada e que daria ao espírito inculto dos brasileiros as noções exatas da língua portuguesa. Trabalhou durante três anos, com esforço e sabiamente. Tinha preparado o seu livro que viria trazer à confusão, à dificuldade de hoje, o saber de amanhã. Era uma obra-prima pelas generalizações e pelos exemplos.

A quem dedicá-la? Como dedicá-la? E o prefácio?

E Marco Aurélio resolve meditar. Ao fim de igual tempo havia resolvido o difícil problema.

A obra seria, segundo o velho hábito, precedida de “duas palavras ao leitor” e levaria, como demonstração de sua submissão intelectual, uma dedicatória.

Mas “duas palavras”, quando seriam centenas as que escreveria? Não. E Marco Aurélio contou as “duas palavras” uma a uma. Eram duzentas e uma e, em um lance único, genial, destacou em relevo, ao alto da página “duzentas e uma palavras ao leitor”.

E a dedicatória? A dedicatória, como todas as dedicatórias, seria a “pálida homenagem” de seu talento ao espírito amigo que lhe ensinara a pensar… 

Mas “pálida homenagem”… Professor, autor de um livro de filologia, cair na vulgaridade da expressão comum: “pálida homenagem”? Não. E pensou. E de sua grave meditação, de seu profundo pensamento, saiu a frase límpida, a grande frase que definia a sua ideia da  expressão e, num gesto, sulcou o alto da página de oferta com a frase sublime: “lívida homenagem do autor”…

Está aí como um grande gramático faz uma obra-prima. Leiam-na e verão como a coisa é bela.

(Sátiras e outras subversões, 2016.)


O cronista traça um retrato do gramático Marco Aurélio, evidenciando, sobretudo, a sua



a)

ambiguidade.

b)

informalidade.

c)

concisão.

d)

afetação.

e)

meticulosidade.

Resolução

a) Incorreta. Segundo o cronista, Marco Aurélio buscava justamente evitar ambiguidades e sentidos figurados, como ocorre no incômodo com a expressão “duas palavras”.

b) Incorreta. A informalidade é rejeitada por Marco Aurélio, como ocorre no desconforto com a expressão “pálida homenagem”, considerada trivial.

c) Incorreta. Concisão é o caráter do que é conciso; breve. Embora o gramático tenha sido breve em seu prefácio e sua dedicatória, esse não é o traço que mais se evidencia na descrição de Lima Barreto.

d) Correta. Segundo o dicionário Caldas Aulete, afetação é um “comportamento pedante e presunçoso”. Ao longo do texto, Marco Aurélio é descrito como um gramático meticuloso e, acima de tudo, vaidoso. Tal característica pode ser notada pelo incômodo do autor com expressão “pálida homenagem”, inicialmente pensada para a dedicatória, por seu caráter comum; trivial. O uso, embora adequado à norma-padrão, foi considerado vulgar, o que soou como inadequado ao contexto erudito e culto da obra. Além disso, segundo o cronista, a obra-prima era ansiosamente esperada pois “daria ao espírito inculto dos brasileiros as noções exatas da língua portuguesa”, o que demonstra a presunção de Aurélio.

e) Incorreta. Embora descrito como um gramático meticuloso e preocupado com os vocábulos escolhidos, a afetação de Marcos Aurélio se sobrepõe à sua minúcia. Isso pode ser comprovado pela rejeição à expressão “pálida homenagem”, que não ocorre por ser imprópria ao contexto, mas pela vaidade do gramático, que considerou tal uso vulgar.