Para responder às questões de 02 a 05, leia a crônica “A obra-prima”, de Lima Barreto, publicada na revista Careta em 25.09.1915.
Marco Aurélio de Jesus, dono de um grande talento e senhor de um sólido saber, resolveu certa vez escrever uma obra sobre filologia.
Seria, certo, a obra-prima ansiosamente esperada e que daria ao espírito inculto dos brasileiros as noções exatas da língua portuguesa. Trabalhou durante três anos, com esforço e sabiamente. Tinha preparado o seu livro que viria trazer à confusão, à dificuldade de hoje, o saber de amanhã. Era uma obra-prima pelas generalizações e pelos exemplos.
A quem dedicá-la? Como dedicá-la? E o prefácio?
E Marco Aurélio resolve meditar. Ao fim de igual tempo havia resolvido o difícil problema.
A obra seria, segundo o velho hábito, precedida de “duas palavras ao leitor” e levaria, como demonstração de sua submissão intelectual, uma dedicatória.
Mas “duas palavras”, quando seriam centenas as que escreveria? Não. E Marco Aurélio contou as “duas palavras” uma a uma. Eram duzentas e uma e, em um lance único, genial, destacou em relevo, ao alto da página “duzentas e uma palavras ao leitor”.
E a dedicatória? A dedicatória, como todas as dedicatórias, seria a “pálida homenagem” de seu talento ao espírito amigo que lhe ensinara a pensar…
Mas “pálida homenagem”… Professor, autor de um livro de filologia, cair na vulgaridade da expressão comum: “pálida homenagem”? Não. E pensou. E de sua grave meditação, de seu profundo pensamento, saiu a frase límpida, a grande frase que definia a sua ideia da expressão e, num gesto, sulcou o alto da página de oferta com a frase sublime: “lívida homenagem do autor”…
Está aí como um grande gramático faz uma obra-prima. Leiam-na e verão como a coisa é bela.
(Sátiras e outras subversões, 2016.)
O cronista narra uma série de fatos ocorridos no passado. Um fato anterior a esse tempo passado está indicado pela forma verbal sublinhada em
a) |
“Eram duzentas e uma e, em um lance único, genial, destacou em relevo, ao alto da página ‘duzentas e uma palavras ao leitor’.” (6° parágrafo) |
b) |
“A obra seria, segundo o velho hábito, precedida de ‘duas palavras ao leitor’ e levaria, como demonstração de sua submissão intelectual, uma dedicatória.” (5° parágrafo) |
c) |
“A dedicatória, como todas as dedicatórias, seria a ‘pálida homenagem’ de seu talento ao espírito amigo que lhe ensinara a pensar...” (7° parágrafo) |
d) |
“E Marco Aurélio resolve meditar.” (4° parágrafo) |
e) |
“Leiam-na e verão como a coisa é bela.” (9° parágrafo) |
a) Incorreta. “Destacou” ocorre no passado, no mesmo momento em que a dedicatória é escrita.
b) Incorreta. “Levaria” indica uma suposição de Marco Aurélio, reflexão que é concomitante à elaboração da dedicatória.
c) Correta. O verbo “ensinara” está conjugado no pretérito mais-que-perfeito do modo indicativo, tempo verbal que indica um fato que aconteceu antes de outra ação passada. No trecho, a ação expressa em “espírito amigo que lhe ensinara a pensar” ocorre em um tempo anterior ao da escrita da dedicatória.
d) Incorreta. O verbo “resolve” está no presente e a ação de meditar ocorre durante o processo de escrita da dedicatória.
e) Incorreta. “Leiam” está no modo imperativo, usado para convidar o leitor a apreciar a obra de Marco Aurélio.