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Questão 34 Unesp 2021 - 1ª fase - dia 2

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Questão 34

Padre Antônio Vieira

De maneira que, assim como a natureza faz de feras homens, matando e comendo, assim também a graça faz de feras homens, doutrinando e ensinando. Ensinastes o gentio bárbaro e rude, e que cuidais que faz aquela doutrina? Mata nele a fereza, e introduz a humanidade; mata a ignorância, e introduz o conhecimento; mata a bruteza, e introduz a razão; mata a infidelidade, e introduz a fé; e deste modo, por uma conversão admirável, o que era fera fica homem, o que era gentio fica cristão, o que era despojo do pecado fica membro de Cristo e de S. Pedro. […] Tende-os [os escravos], cristãos, e tende muitos, mas tende-os de modo que eles ajudem a levar a vossa alma ao céu, e vós as suas. Isto é o que vos desejo, isto é o que vos aconselho, isto é o que vos procuro, isto é o que vos peço por amor de Deus e por amor de vós, e o que quisera que leváreis deste sermão metido na alma.

(Antônio Vieira. “Sermão do Espírito Santo” (1657). http://tupi.fflch.usp.br.)

O Sermão do Espírito Santo foi pregado pelo Padre Antônio Vieira em São Luís do Maranhão, em 1657, e recorre



a)

a metáforas, para defender a liberdade de natureza de todos os animais criados por Deus.

b)

à ironia, para condenar a escravização de nativos e africanos nas lavouras de algodão.

c)

a antíteses, para reconhecer a escravização dos nativos como um caminho possível do trabalho missionário.

d)

à retórica barroca, para contestar a ideia de que os africanos e os nativos merecem a liberdade e a salvação.

e)

à retórica clássica, para acusar os proprietários de escravos de descuidar dos direitos humanos dos nativos.

Resolução

a) Incorreta. No excerto transcrito, Vieira não explora primordialmente as metáforas, mas as oposições entre os indígenas no seu estado “natural” e após a sua conversão ao cristianismo. Desse modo, não defende a liberdade de natureza, uma vez que destaca a necessidade de ensinar e doutrinar “o gentio bárbaro e rude” a fim de promover uma transformação considerada benéfica e necessária para a salvação de sua alma.

b) Incorreta. A ironia, figura de linguagem que consiste em sugerir o contrário do que se afirma, não está presente no discurso apresentado. Vieira não pretende condenar a escravização; pelo contrário, defende que se tenha escravos, desde que haja um esforço doutrinador, por parte do escravizador, com vistas à salvação das almas.

c) Correta. O excerto estrutura-se a partir de uma série de antíteses que ressaltam a oposição entre o nativo antes e depois da doutrinação: natureza X graça, fereza X humanidade, ignorância X conhecimento, bruteza X razão, infidelidade X fé... Nesse sentido, a escravização delineia-se como um caminho possível do trabalho missionário, conforme afirma Vieira no trecho: “Tende-os [os escravos], cristãos, e tende muitos, mas tende-os de modo que eles ajudem a levar a vossa alma ao céu, e vós as suas.”

d) Incorreta. A retórica, enquanto exploração da razão e da emoção na estruturação argumentativa como meio de persuasão, é característica fundamental dos sermões de Vieira; no entanto, o discurso construído leva à defesa (e não à contestação) da salvação das almas dos gentios por meio do ensinamento e da doutrinação.

e) Incorreta. Conforme afirmado anteriormente, Vieira recorre à retórica, de origem clássica, para persuadir os fiéis; mas, no excerto, os proprietários de escravos não são acusados de descuidar dos direitos humanos dos nativos; a intenção do pregador é convencê-los a promover a conversão de seus escravos à doutrina cristã, “de modo que eles ajudem a levar a vossa alma ao céu, e vós as suas”.