Pode acontecer que, para a educação do verdadeiro filósofo, seja preciso que ele percorra todas as gradações nas quais os “trabalhadores da filosofia” estão instalados e devem permanecer firmes: ele deve ter sido crítico, cético, dogmático e histórico e, ademais, poeta, viajante, moralista e vidente e “espírito livre”, tudo enfim para poder percorrer o círculo dos valores humanos, dos sentimentos de valor, e poder lançar um olhar de múltiplos olhos e múltiplas consciências, da mais sublime altitude aos abismos, dos baixios para o alto. Mas tudo isso é apenas uma condição preliminar da sua incumbência. Seu destino exige outra coisa: a criação de valores.
(Friedrich Nietzsche. Além do bem e do mal, 2001. Adaptado)
No texto, Nietzsche propõe que a formação do filósofo deve
a) |
assegurar e manter os poderes políticos do governante. |
b) |
conhecer e extrapolar as práticas de vida, os sentimentos e os valores presentes na sociedade. |
c) |
privilegiar e fortalecer o papel da religião nas atitudes críticas perante a vida e os humanos. |
d) |
restringir-se ao terreno da reflexão na busca por uma verdade absoluta. |
e) |
retomar a origem una e indivisível dos humanos, na busca de sua liberdade de natureza. |
a) Incorreta. A lógica de manutenção do poder do governante não se aplica à filosofia de Nietzche, considerando que tal ideia remete à lógica da manutenção do status quo, bastante divergente do pensamento do autor. Ele não apresenta no texto nenhuma relação entre a formação do filósofo o aspecto político mencionado na alternativa.
b) Correta. Nietzsche propõe que a formação do filósofo deve, como coloca, corretamente, a alternativa "B", "conhecer e extrapolar as práticas de vida, os sentimentos e os valores presentes na sociedade". Muitos são os conceitos, de sua filosofia, que nos poderiam lembrar dessa exortação. Por exemplo, os conceitos de super-homem ou de transvaloração dos valores, interligados, aliás, entre si. Seja no primeiro ou no segundo caso, há de se proceder rumo às rupturas, capazes de fornecer sopros de vida ao ser humano que, colhido na regularidade dos costumes, se despedaça, inquieto, em sua jaula. São essas as metáforas do filósofo alemão: o despedaçar-se; o prender-se, como animal, em uma cela. Pelo menos são essas as metáforas do homem que se prende à tradição e não extrapola a moral vigente em seu grupo, em sua época. Por óbvio, esse não pode ser o filósofo. Em Além do bem e do mal, obra que serve de base para o exercício, Nietzsche deixa claro, como podemos ver: há de criar valores - o que implica em transvalorizar os vigentes - o que implica em questioná-los, sempre. O mesmo recado Nietzsche dá em A genealogia da moral e em tantas outras obras.
c) Incorreta. A concepção de fortalecimento do papel da religião e de suas verdades distancia-se da lógica do autor, que ficou conhecido como o "filósofo do martelo", pronto para "destruir".
d) Incorreta. A busca por verdades absolutas é incompatível com o texto apresentado, segundo o qual, o filósofo deve poder "lançar um olhar de múltiplos olhos e múltiplas consciências." A valorização dessa multiplicidade é oposta à concepção de verdade absoluta.
e) Incorreta. A busca e retomada por uma natureza una e indivisível dos seres humanos é contrária aos aspectos enfatizados por Nietzsche como importantes na formação do filósofo. Segundo o autor, a experiência do filósofo deve "percorrer o círculo dos valores humanos, dos sentimentos de valor, e poder lançar um olhar de múltiplos olhos e múltiplas consciências" para finalmente chegar na etapa da criação de valores, exigida por seu destino.