Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns; me persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente não, eu existia, sem dúvida, se é que eu me persuadi ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar-me sempre. Não há pois dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, penso, logo sou, é necessariamente verdadeira, todas as vezes que a enuncio [...]
(René Descartes. Meditações, 1973.)
Segundo o texto, um dos pontos iniciais do método de Descartes que o levou ao cogito (“penso, logo sou”) foi
a) |
a análise das partes. |
b) |
a síntese das partes analisadas. |
c) |
o prevalecimento da alma sobre o raciocínio. |
d) |
o reconhecimento de um Deus enganador. |
e) |
a arte da persuasão grega. |
René Descartes, filósofo renascentista, no percurso das suas Meditações Metafísicas, encontrou no cogito sua primeira verdade, a verdade indubitável, à prova de suspeitas. No que consistiria, exatamente, essa verdade? No fato de que, todas as vezes que pensamos, independentemente do que pensamos, estamos a garantir a nossa existência enquanto ser pensante (embora, só por isso, não sejamos capazes de garantir nossa existência material). Daí, então, a frase tão conhecida: "cogito, ergo sun", "penso, logo sou", logo existo, pelo menos, enquanto res cogitans, coisa que pensa.
Mas quem estudou as meditações cartesianas, escritas à beira de uma lareira, sabe que Descartes não chegou por acaso à verdade do cogito. Também não chegou com facilidades. Teve de empreender uma metodologia radical, que tinha como ponto de partida a dúvida, chamada também de dúvida metódica e, em alguns ocasiões, de dúvida hiperbólica - assim chamada justamente pela radicalidade já mencionada.
A dúvida hiperbólica, particularmente, nos interessa aqui. Isso porque a alternativa correta desse exercício menciona uma das considerações mais radicais de Descartes: a possibilidade da existência de um gênio maligno, que me engana sobre todas as coisas. Assim, temos:
a) Incorreta. A análise das partes é mencionada pelo autor como parte de seu método, mas não ajuda o filósofo a chegar ao cogito, sendo importante em outras situações.
b) Incorreta. O item em questão faz o mesmo que o item anterior: cita um procedimento que é mencionado no conjunto da filosofia cartesiana, mas não ajuda o filósofo a chegar ao cogito, sendo importante em outras situações.
c) Incorreta. O prevalecimento da alma sobre o raciocínio é uma consideração que, no contexto da filosofia racionalista cartesiana, não faz sentido. Inclusive, alma, aqui, a depender das traduções, por exemplo, pode ser sinônimo de espírito, razão ou intelecto.
d) Correta. O reconhecimento de um Deus enganador faz com que Descartes possa considerar duvidar de todas as coisas, fato que o faz pensar que, enquanto ele duvida, existe como ser pensante.
e) Incorreta. A arte da persuasão grega não aparece no texto, ou mesmo na obra de Descartes, como passo para o conhecimento indubitável do cogito.