Para responder às questões de 09 a 15, leia o texto extraído da primeira parte, intitulada “A terra”, da obra Os sertões, de Euclides da Cunha. A obra resultou da cobertura jornalística da Guerra de Canudos, realizada por Euclides da Cunha para o jornal O Estado de S.Paulo de agosto a outubro de 1897, e foi publicada apenas em 1902.
Percorrendo certa vez, nos fins de setembro [de 1897], as cercanias de Canudos, fugindo à monotonia de um canhoneio¹ frouxo de tiros espaçados e soturnos, encontramos, no descer de uma encosta, anfiteatro irregular, onde as colinas se dispunham circulando um vale único. Pequenos arbustos, icozeiros² virentes viçando em tufos intermeados de palmatórias³ de flores rutilantes, davam ao lugar a aparência exata de algum velho jardim em abandono. Ao lado uma árvore única, uma quixabeira alta, sobranceando a vegetação franzina.
O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão e protegido por ela — braços largamente abertos, face volvida para os céus — um soldado descansava.
Descansava... havia três meses.
Morrera no assalto de 18 de julho [de 1897]. A coronha da Mannlicher4 estrondada, o cinturão e o boné jogados a uma banda, e a farda em tiras, diziam que sucumbira em luta corpo a corpo com adversário possante. Caíra, certo, derreando-se à violenta pancada que lhe sulcara a fronte, manchada de uma escara preta. E ao enterrarem-se, dias depois, os mortos, não fora percebido. Não compartira, por isto, a vala comum de menos de um côvado de fundo em que eram jogados, formando pela última vez juntos, os companheiros abatidos na batalha. O destino que o removera do lar desprotegido fizera-lhe afinal uma concessão: livrara-o da promiscuidade lúgubre de um fosso repugnante; e deixara-o ali há três meses – braços largamente abertos, rosto voltado para os céus, para os sóis ardentes, para os luares claros, para as estrelas fulgurantes...
E estava intacto. Murchara apenas. Mumificara conservando os traços fisionômicos, de modo a incutir a ilusão exata de um lutador cansado, retemperando-se em tranquilo sono, à sombra daquela árvore benfazeja. Nem um verme — o mais vulgar dos trágicos analistas da matéria — lhe maculara os tecidos. Volvia ao turbilhão da vida sem decomposição repugnante, numa exaustão imperceptível. Era um aparelho revelando de modo absoluto, mas sugestivo, a secura extrema dos ares.
(Os sertões, 2016.)
¹canhoneio: descarga de canhões.
²icozeiro: arbusto de folhas coriáceas, flores de tom verde-pálido e frutos bacáceos.
³palmatória: planta da família das cactáceas, de flores amarelo-esverdeadas, com a parte inferior vermelha, ou róseas, e bagas vermelhas.
4Mannlicher: rifle projetado por Ferdinand Ritter von Mannliche
Anteriormente ao texto transcrito, Euclides da Cunha menciona a existência de “higrômetros inesperados e bizarros” na paisagem. Constitui exemplo de higrômetro inesperado e bizarro no texto transcrito:
a) |
a disposição geográfica das colinas. |
b) |
a ação dos vermes a decompor o cadáver. |
c) |
o corpo abandonado do soldado. |
d) |
a quixabeira solitária, cercada por vegetação franzina. |
e) |
a secura extrema dos ares. |
Higrômetros são medidores de umidade do ar, havendo atualmente inclusive higrômetros digitais. Sendo assim, podemos analisar as alternativas.
a) Incorreta. As colinas não são elementos de identificação direta da umidade do ar.
b) Incorreta. Os vermes não macularam os tecidos do soldado referido no texto.
c) Correta. O texto de Euclides da Cunha apresenta como principal elemento de medição da umidade do ar a descrição do corpo morto e abandonado do soldado, praticamente mumificado pelos efeitos do clima extremamente seco da região de clima semiárido, funcionando este como um higrômetro tanto inesperado quanto bizarro.
d) Incorreta. A quixabeira é um elemento indicativo para a umidade do ar, não sendo, no entanto, "inesperado" nem "bizarro no contexto da obra.
e) Incorreta. A secura dos ares precisa ser medida de alguma maneira, ela em si não é um "higrômetro".