Fomos falar com o tal encarregado, depois com um engenheiro, depois com um supervisor que mandou chamar um engenheiro da nossa companhia. Esses homens são da sua companhia, engenheiro, ele falou, estão pedindo a conta. A companhia está empenhada nessa ponte, gente, falou o engenheiro, vocês não podem sair assim sem mais nem menos. Tinha uma serra circular cortando uns caibros ali perto, então só dava pra falar quando a serra parava, e aquilo foi dando nos nervos.
Falei que a gente tinha o direito de sair quando a gente quisesse, e pronto. Nisso encostou um sujeito de paletó mas sem gravata, o engenheiro continuou falando e a serra cortando. Quando ele parou de falar, 50 Volts aproveitou uma parada da serra e falou que a gente não era bicho pra trabalhar daquele jeito; daí o supervisor falou que, se era falta de mulher, eles davam um jeito. O engenheiro falou que tinha mais de vinte companhias trabalhando na ponte, a maioria com prejuízo, porque era mais uma questão de honra, a gente tinha de acabar a ponte, a nossa companhia nunca ia esquecer nosso trabalho ali naquela ponte, um orgulho nacional.
PELLEGRINI, D. A maior ponte do mundo. In:
Melhores contos. São Paulo: Global, 2005.
As reivindicações dos operários, quanto às condições aviltantes de trabalho a que são submetidos, recebem algumas tentativas de neutralização dos representantes do empregador, das quais a mais forte é o(a)
a) |
sequência de atribuição de responsabilidades e de poder decisório a terceiros. |
b) |
solicitação em nome dos prejuízos e compromissos para entrega da obra. |
c) |
intimidação pela discreta presença de um agente de segurança na cena. |
d) |
promessa de imediato atendimento da carência sexual dos operários. |
e) |
apelo pela identificação com a empresa extensiva ao amor patriótico. |
a) Incorreta. De fato, inicialmente, há uma transferência na atribuição de responsabilidades, de modo que os operários são levados a falar “com o tal encarregado, depois com um engenheiro, depois com um supervisor que mandou chamar um engenheiro da nossa companhia”. Entretanto, esse movimento de imputar a responsabilidade a terceiros não é o recurso principal usado para tentar dissuadir os operários de suas reivindicações.
b) Incorreta. O engenheiro inicia sua argumentação contra as reclamações dos operários afirmando que “a companhia está empenhada nessa ponte”. Porém, essa justificativa não é suficiente, sendo rebatida pelo narrador-personagem (“a gente tinha o direito de sair quando a gente quisesse”). Na sequência, o engenheiro prossegue apelando para a questão econômica e reafirmando o compromisso com a entrega da obra (“tinha mais de vinte companhias trabalhando na ponte, a maioria com prejuízo, porque era mais uma questão de honra”). Mas, considerando-se o discurso desse personagem como um todo, trata-se de uma progressão argumentativa que culmina com a exaltação do trabalho dos operários e sua importância para a empresa e para o país.
c) Incorreta. A alternativa provavelmente refere-se ao “sujeito de paletó mas sem gravata”; sua presença pode ser lida como uma discreta intimidação, e por isso não é correto afirmar que seja a mais forte tentativa para neutralizar as reivindicações dos operários.
d) Incorreta. A ideia de carência sexual é sugerida pelo supervisor, ao afirmar que “se era falta de mulher, eles davam um jeito”. No entanto, essa oferta não atende ao que é reivindicado pelos operários, que desejam abandonar a obra, e não surte qualquer efeito.
e) Correta. No excerto, a fala do engenheiro é o recurso central usados pelos representantes do empregador para tentar convencer os operários a prosseguirem a obra. Em seu discurso, ele articula argumentos que procuram justificar a continuidade da construção da ponte, mesmo com as más condições de trabalho. Esse processo argumentativo segue uma progressão cujo ápice é a identificação dos trabalhadores com a empresa, reforçada pelo uso do possessivo em primeira pessoa do plural (“nossa companhia nunca ia esquecer nosso trabalho ali naquela ponte”), e o apelo ao amor patriótico (a ponte seria “um orgulho nacional”).