Retrato de homem
A paisagem estrita
ao apuro do muro
feito vértebra a vértebra
e escuro.
A geração dos pelos
sobre a casca e os rostos
em seus diques de sombra
repostos.
Os poços com seu lodo
de ira e de tensão:
entre cimento e fronte
- um vão.
As setas se atiram
às margens de ninguém,
ilesas a si mesmas
retêm.
Compassos de evasão
entre falange e rua
sondando a solitude nua.
E na armadura de coisa
salobra, um só segredo:
a polpa toda é fruição
de medo.
ARAÚJO, L. C. Cantochão Belo Horizonte: Imprensa Publicações - Governo do Estado
de Minas Gerais, 1967.
No poema, a descrição lírica do objeto representado é orientada por um olhar que
a) |
desvela sentimentos de vazio e angústia sob a aparente austeridade.
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b) |
expressa desilusão ante a possibilidade de superação do sofrimento.
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c) |
contrapõe a fragilidade emocional ao uso desmedido da força física.
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d) |
O associa a incomunicabilidade emocional às determinações culturais.
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e) |
privilegia imagens relacionadas à exposição do dinamismo urbano.
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a) Correta. O sentido de “austeridade” está associado a severidade, rigidez, inflexibilidade, despojamento e circunspecção. No poema, o eu-lírico se esforça por fixar uma imagem de austeridade, atribuindo a si mesmo elementos que remetem a dureza e rigidez, tais como “apuro do muro”, “casca”, “cimento”, “setas” e “armadura”. Entretanto, ao longo da leitura, é possível perceber que essa aparência oculta fraquezas que apontam para os sentimentos de vazio e angústia. Isso pode ser verificado a partir da menção a “diques de sombra”, “lodo de ira e tensão”, “compassos de evasão”, “solitude nua”. Além disso, ao final, ele confessa que “por baixo da armadura de coisa salobra”, há um segrego: a “polpa toda”, ou seja, o seu interior, é “fruição de medo”. Tendo isso em vista, o eu-lírico aponta para um conflito em que a imagem de invencibilidade projetada exteriormente oculta suas fraquezas existenciais.
b) Incorreta. A possibilidade de superação do sofrimento não é vislumbrada pelo eu-lírico, uma vez que parece fracassar em sua tentativa de ocultar a “fruição de medo” que há por baixo de sua armadura. Em nenhum momento ele vislumbra a possibilidade de vencer essas angústias.
c) Incorreta. Não há uso desmedido da força física, visto que o eu lírico afirma que as setas que ele atira são lançadas “às margens de ninguém”, de modo que “ilesas a si mesmas retêm”, ou seja, seus supostos impulsos violentos não chegam a se concretizar.
d) Incorreta. O eu-lírico não faz referência a determinações culturais para explicar sua incomunicabilidade emocional. No poema, as causas desse problema estão ligadas a aspectos psicológicos e existenciais.
e) Incorreta. Os elementos que poderiam justificar essa alternativa – muro, cimento, rua – são mobilizados como metáforas para a condição existencial paralisada e rígida do eu-lírico, sendo muito frágil sua associação a imagens relacionadas ao dinamismo urbano.