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Questão 69 Fuvest 2021 - 1ª fase

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Questão 69

Romanceiro da Inconfidência

Romance LIII ou Das Palavras Aéreas

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

Ai, palavras, ai, palavras,

sois de vento, ides no vento,

no vento que não retorna,

e, em tão rápida existência,

tudo se forma e transforma!

 

Sois de vento, ides no vento

e quedais, com sorte nova! (...)

 

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

Perdão podíeis ter sido!

- sois madeira que se corta,

- sois vinte degraus de escada,

- sois um pedaço de corda...

- sois povo pelas janelas,

cortejo, bandeiras, tropa...

 

Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa!

Éreis um sopro na aragem...

- sois um homem que se enforca!

 

Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência.


A "estranha potência" que a voz lírica ressalta nas palavras decorre de uma combinação entre



a)

fluidez nos ventos do presente e conteúdo fixo no passado.

b)

forma abstrata no espaço e presença concreta na história.

c)

leveza impalpável na arte e vigor nos documentos antigos.

d)

sonoridade ruidosa nos ares e significado estável no papel.

e)

lirismo irrefletido da poesia e peso justo dos acontecimentos.

Resolução

a) Incorreta. No verso “sois de vento, ides no vento”, o tempo verbal conjugado no presente do indicativo expressa uma espécie de sentença ou verdade universal ou imutável. Nesse sentido, seria da natureza das palavras “ser de vento” e “ir no vento” em qualquer época e não necessariamente no presente da enunciação. A noção de fixidez apresentada pela resposta destoa da proposta de Cecília Meireles que, através do Romanceiro, pretende recriar a história da Inconfidência e dar vida a seus personagens através da poesia, de modo que o passado ganhe novos sentidos no presente.

b) Correta. A estranha potência das palavras é formada pela ambivalência entre sua forma abstrata no espaço e sua presença concreta na história. A forma abstrata no espaço refere-se à fluidez e à imaterialidade da linguagem, expressas pelos versos “sois de vento, ides no vento” e ainda “éreis um sopro na aragem”. Entretanto, embora as palavras aparentem ser efêmeras como o vento, a ponto de não deixarem rastros ou marcas, elas possuem uma força capaz de se corporificar em atos concretos que perfazem a história. O poema em questão aborda o fato de as palavras expressas nos discursos, cartas, reuniões, delações, confissões, processos, julgamentos e sentenças relativos à Inconfidência Mineira terem provocado a condenação e morte de Tiradentes. Metaforicamente, as palavras, antes abstratas, se materializaram em madeira, escada, corda, povo nas janelas, cortejos, bandeiras, tropas e, por fim, no enforcamento de um homem.

c) Incorreta. Para a poeta, a potência das palavras produz efeitos na vida e na história e não somente na arte. O contraponto “leveza na arte” e “vigor nos documentos antigos” não está posto no poema.

d) Incorreta. A caracterização das palavras como “sois de vento, ides no vento” e “éreis um sopro na aragem” refere-se a sua aparente efemeridade e não a sua suposta sonoridade ruidosa. Além disso, essa metáfora alude ao aspecto dinâmico das palavras que, ora são frágeis e ora tudo transformam, ou ainda, podem se converter em perdão ou condenação. Nesse sentido, tanto na oralidade como na escrita, os significados das palavras são sempre instáveis, não havendo sentidos fixos ou imutáveis.

e) Incorreta. De acordo com o poema, as palavras permeiam as atividades e as relações humanas e instauram a História, determinando a ocorrência das ações e acontecimentos. Tendo isso em vista, não é possível afirmar que o texto proponha uma contraposição entre “lirismo irrefletido da poesia” e “peso justo dos acontecimentos”.