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Questão 12 Unicamp 2021 - 1ª fase - 2º dia

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Questão 12

intertexto Variação Linguística

TEXTO 1

antipoema

é preciso rasurar o cânone
distorcer as regras
as rimas
as métricas

o padrão
a norma que prende a língua

os milionários que se beneficiam do nosso silêncio

do medo de se dizer poeta,

só assim será livre a palavra.

(Ma Njanu é idealizadora do “Clube de Leitoras” na periferia de Fortaleza e da “Pretarau, Sarau das Pretas”, coletivo de artistas negras. Disponível em http://recantodasletras.com.br/poesias/6903974. Acessado em 20/05/2020.)

TEXTO 2

“O povo não é estúpido quando diz ‘vou na escola’, ‘me deixe’, ‘carneirada’, ‘mapear’, ‘farra’, ‘vagão’, ‘futebol’. É antes inteligentíssimo nessa aparente ignorância porque, sofrendo as influências da terra, do clima, das ligações e contatos com outras raças, das necessidades do momento e de adaptação, e da pronúncia, do caráter, da psicologia racial, modifica aos poucos uma língua que já não lhe serve de expressão porque não expressa ou sofre essas influências e a transformará afinal numa outra língua que se adapta a essas influências.

(Carta de Mário a Drummond, 18 de fevereiro de 1925, em Lélia Coelho Frota,Carlos e Mário: correspondência completa entre Carlos Drummond de Andradee Mário de Andrade. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2002, p. 101.)

Apesar de passados quase 100 anos, a carta de Mário de Andrade ecoa no poema de Ma Njanu. Ambos os textos manifestam



a)

a ignorância ratificada do povo em sua luta para se expressar.

b)

a necessidade de diversificar a língua segundo outros costumes.

c)

a inteligência do povo e dos poetas livres de influências.

d)

a ingenuidade em se crer na possibilidade de escapar às regras.

Resolução

O enunciado da questão solicitava que fosse selecionada uma alternativa na qual ambos os textos fossem contemplados. Tanto no poema de Ma Njanu, quanto no trecho da carta de Mário de Andrade, o tema que os une é a contrariedade aos padrões estabelecidos (principalmente relacionados à língua). Njanu adota uma postura mais assertiva e focada nas transgressões que poetas devem fazer ao rasurar o cânone/ distorcer as regras/ as rimas/ as métricas/ o padrão. Já Mário de Andrade focaliza a variação, contrária ao padrão estabelecido, a partir das multiplicidades encontradas nos falares do povo, defendendo que não se trata de uma estupidez, mas de algo inteligentíssimo, utilizado para uma adaptação aos contextos e situacionalidades vividas. A partir dessa leitura, analisamos os itens abaixo.

a) Incorreta. Embora o poema não aborde o povo, o texto de Mário de Andrade, quando o faz, coloca-se exatamente em oposição à visão de que o uso de uma variação não privilegiada possa ser considerada ignorância.

b) Correta. Tanto o poema de Njanu como o trecho da carta de Mário apresentam a necessidade de rompimento com um padrão estabelecido da língua, ou seja, sua diversificação a partir de outros costumes. A primeira, ao apontar a necessidade das transgressões às regras de composição poética clássica, advoga que tais padrões são responsáveis por prender a língua e que é necessário tornar a palavra livre. O segundo defende que a modificação da língua feita pelo povo é fruto de necessidades contextuais, as quais devem ser aceitas, pois provocarão a construção de uma outra língua adaptada a tais influências.

c) Incorreta. O trecho de Mário de Andrade certamente aborda e enfatiza a inteligência do povo, porém o poema de Njanu não apresenta nem inteligência do povo, nem dos poetas em si.

d) Incorreta. O conceito de ingenuidade aparece superficialmente apenas na carta de Mário, quando ele menciona uma “aparente ignorância”, mas não está relacionado a qualquer intuito de “escapar às regras”.