Quando um campesinato afro-brasileiro surgiu no final do século XVIII, os agricultores do litoral da Bahia misturaram conhecimentos agrícolas e etnobotânicos da África e do Brasil para fazer proliferar o dendê africano. Mosaicos de mata atlântica e campos de mandioca transformaram o litoral da Bahia em um simulacro transatlântico do complexo de palmeiras da África Ocidental, criando uma paisagem afro-brasileira. A Costa do Dendê, no sul da Bahia, resultante desse processo, permanece como um testemunho de contribuições africanas e de afrodescendentes para o desenvolvimento econômico, ecológico e cultural das Américas.
(Adaptado de Case Watkins, "African Oil Palms, Colonial Socioecological Transformation and the Making of an Afro-Brazilian Landscape in Bahia, Brazil." Environment and History. Winwick Cambridgeshire: The White Horse Press, 2015, v. 21, p. 41.)
Com base no excerto e em seus conhecimentos sobre a cultura brasileira, assinale a alternativa correta.
a) |
A formação histórica da paisagem da Costa do Dendê, na Bahia, é resultado da produção em larga escala de azeite de dendê nos grandes latifúndios monocultores que utilizavam mão de obra escrava africana e indígena desde o século XVI. |
b) |
A desigualdade sócio-econômica que marcou a história da formação do campesinato brasileiro é um fator que inviabiliza o desenvolvimento econômico e ambiental do Brasil com base na produção de combustível sustentável a partir de dendê. |
c) |
Os dendezeiros do litoral brasileiro são resultado de tecnologias de cruzamento entre espécies de palmeiras africanas, asiáticas e nativas que eram cultivadas secularmente pelos indígenas em toda a América do Sul. |
d) |
Os bosques de dendezeiros no litoral baiano formam uma paisagem que testemunha o protagonismo histórico dos africanos e seus descendentes a partir de seus hábitos alimentares, conhecimentos sobre as plantas e práticas agrícolas. |
a) Incorreta. O texto fornecido pela questão explicita que o cultivo do dendê foi resultado da atividade de um campesinato afro-brasileiro no final do século XVIII. A atividade mencionada pela alternativa, a produção dos latifúndios monocultores na Bahia durante o período colonial, teve como foco o cultivo e processamento da cana de açúcar, não o dendê mencionado no texto. A produção agrícola demonstrava uma hierarquia: agricultores de descendência europeia normalmente produziam para os mercados de exportação, principalmente a cana-de-açúcar; já os descendentes de africanos se envolviam principalmente na produção de subsistência.
b) Incorreta. Embora seja possível afirmar que a formação do campesinato brasileiro foi marcada por drásticas desigualdades socioeconômicas, é incorreto apontá-las diretamente como inviabilizadoras do desenvolvimento econômico e ambiental do Brasil, sobretudo a partir da produção de combustível sustentável de dendê. Tratam-se de contextos diferentes, tendo em vista que o Brasil passou a estudar fontes alternativas de energia somente a partir de 1979, com a segunda Crise Internacional do Petróleo. A partir de então, foram criados e expandidos diversos projetos governamentais que passaram a colocar o óleo de dendê como uma das alternativas de grande relevância para o uso como biocombustível. Ou seja, ainda que a expansão dessa produção enfrente dificuldades, não é possível atribuí-las somente às desigualdades socioeconômicas do campesinato no contexto mencionado no exercício. As dificuldades enfrentadas contemporaneamente são muito variadas, como, por exemplo, a falta de crédito, dificuldades tecnológicas, falta de mão de obra, variedade da palma predominante na região (resulta em baixa produtividade) e topografia da região, dificultando a mecanização da colheita.
c) Incorreta. O texto enfatiza que "A Costa do Dendê, no sul da Bahia, resultante desse processo, permanece com um testemunho de contribuições africanas e de afrodescendentes". Vale destacar que, conforme explicitado pelo texto, o dendê (Elaeis guineensis) é uma palmeira de origem africana, tendo chegado no Brasil no século XVI, quando se adaptou no litoral sul da Bahia. Posteriormente, o plantio comercial da mesma verificou-se na região Norte do país.
d) Correta. O dendê e seu consumo fazem parte da vasta herança cultural legada pela África ao Brasil. O óleo de palma - ou seja, o azeite de dendê - era de grande importância em diversas sociedades da África Central e Ocidental, sendo trazido para o Brasil na chamada "Diáspora Africana", processo de transferência forçada de milhares de africanos escravizados para a América. Nas viagens atlânticas, era frequente o processamento do azeite de dendê a bordo dos navios negreiros, gerando um excedente de grãos de palma (sementes) que chegavam ao Novo Mundo. O azeite de dendê passou, desde então, a ser utilizado tanto como um ingrediente fundamental na culinária quanto como um material litúrgico afro-brasileiro. Os bosques de dendezeiros se estabeleceram no sul da Bahia, constituindo uma verdadeira paisagem afro-brasileira, conforme apresentado pelo excerto do exercício. Vale destacar também que esta preservação pode ser considerada uma das formas de resistência cotidiana à escravidão pela chamada agência socioecológica dos escravizados, processo no qual escravizados e libertos usaram o conhecimento etnobotânico e agrícola para transformar as paisagens coloniais.