No plano da imaginação, os asiáticos, fossem chineses ou japoneses, geravam associações contraditórias: impassíveis, teimosos, irredutíveis no preço que fixavam nas feiras livres ou em suas casas comerciais, rompendo com o estilo de barganhas e pechinchas incorporado ao dia a dia dos portugueses, sírios, libaneses, judeus, espanhóis.
Ao mesmo tempo, eram associados às imagens de delicadeza, de gueixa e cerejeiras em flor, que as estampas dos calendários, os cartazes de certas peças de teatro e das óperas encarregavam de divulgar.
(Adaptado de Boris Fausto, O Crime do Restaurante Chinês: carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Companhia das Letras, 2009: posição 220 edição Kindle.)
O texto do historiador Boris Fausto traz informações sobre São Paulo dos anos 1930. A partir do fragmento, assinale a alternativa correta.
a) |
A história do Brasil registra a convivência de imigrantes europeus e asiáticos, marcada por dinâmicas de assimilação e preconceito. |
b) |
Imigrantes europeus gozaram da mesma posição social que a população negra e ambos os grupos se adaptaram bem à vida urbana. |
c) |
As atividades da greve de 1917 unificaram os interesses de imigrantes asiáticos e europeus no campo e na cidade. |
d) |
Imigrantes asiáticos e europeus compuseram, junto com a população negra, o novo cenário cultural da democracia racial da Era Vargas.
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a) Correta. O texto que serve como base à questão, retirado do livro O Crime do Restaurante Chinês, de Boris Fausto, explora os diferentes fluxos migratórios que se dirigiram ao Brasil e conviveram no país ao longo da década de 30. São mencionados tanto imigrantes asiáticos (chineses e japoneses) quanto europeus (portugueses, espanhois) e provenientes do Oriente Médio (sírio, libaneses). Há também menção aos judeus, grupo que não se restringe a apenas uma origem nacional. Dessa forma, Boris Fausto trabalha, em seu livro, a ideia de que houve uma intensa convivência entre imigrantes de diferentes origens na São Paulo dos anos 30, o que é pertinente ao que a alternativa afirma, ao se referir à convivência de imigrantes asiáticos e europeus. A partir dessa convivência, estabelecem-se dinâmicas sociais que a alternativa também destaca, como o processo de assimilação dos imigrantes ao seu novo ambiente de moradia e trabalho e a formação de imagens preconceituosas que deram origem à estereótipos e ideias prontas sobre esses grupos. Um exemplo desses estereótipos mencionados no texto-base para a questão é a imagem contraditória estabelecida sobre os asiáticos: ao mesmo tempo em que eram vistos como negociantes inflexíveis, podiam ser representados por meio de símbolos de delicadeza como as gueixas e as cerejeiras em flor.
b) Incorreta. Não é possível dizer que os imigrantes europeus gozavam da mesma posição social da população negra brasileira, já que essa população sofria os efeitos do racismo que permeia a sociedade brasileira, trazendo mais dificuldade de inserção em variados meios sociais. Portanto, a adaptação de imigrantes europeus à vida urbana nesse período foi facilitada, em comparação com a vivência da população negra, que sofria efeitos impeditivos provocados pelo racismo.
c) Incorreta. A Greve Geral de 1917, iniciada em São Paulo, teve como centro as atividades industriais. Embora tenha havido a participação de imigrantes que atuavam como operários nas indústrias, não se pode dizer que os interesses da cidade e do campo foram unificados, já que o foco da greve era o ambiente urbano. As disparidades entre o campo e a cidade seriam uma constante na história brasileira, o que se reflete também no processo de conquista dos direitos trabalhistas. Enquanto o trabalho urbano é regulamentado ao longo da década de 1930, os trabalhadores rurais acabaram preteridos nessa área.
d) Incorreta. O conceito de democracia racial foi bastante popular na década de 30, principalmente a partir da publicação de Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, em 1933. Porém, a ideia de que existe uma harmonia entre as etnias que compuseram o Brasil e a identidade brasileira é bastante problemática e passível de uma torrente de críticas. Um dos pontos principais das críticas seria o de que o conceito cria uma visão romântica das relações raciais no Brasil, propagandeando uma igualdade étnica que não existe em nosso país e apagando aspectos da violência racista estrutural que construiu as relações sociais brasileiras desde tempos coloniais. Portanto, não é viável sustentar o argumento de que em algum ponto da história do Brasil nós tivemos um cenário cultural que expressase nossa democracia racial, já que essa igualdade étnica não é algo apreensível na realidade histórica e sociológica do país.