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Questão 1 Unicamp 2020 - 2ª fase - dia 2

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Questão 1

Filosofia Antiga

As reflexões de Aristóteles e Platão revelam uma descrença em relação ao regime democrático. O cidadão, diz Aristóteles, é quem toma parte na experiência de governar e de ser governado. Para o filósofo, o animal falante é um animal político. Mas o escravo, mesmo sendo falante, não é um animal político. Os artesãos, diz Platão, não podem participar das coisas comuns porque não têm tempo para se dedicar a outra atividade que não seja o seu trabalho. Assim, ter esta ou aquela “ocupação” define competências ou incompetências para a participação nas decisões sobre a vida comum.

(Adaptado de Flávia Maria Schlee Eyler, História antiga: Grécia e Roma. Petrópolis: Editora Vozes/Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2014, p.15.)


A partir do texto e de seus conhecimentos sobre a Antiguidade Clássica, responda às questões.
 a) Segundo Aristóteles e Platão, como se define o “animal político” no contexto da cidadania ateniense?  
 b) Identifique e explique uma crítica dos filósofos citados ao regime democrático. 



Resolução

a) Para Aristóteles, o homem é um animal político "em grau maior que as abelhas ou todos os outros animais que vivem reunidos", pois ele é o único a possuir o dom da fala. Desse modo, ao poder experimentar sentimentos e comunicá-los aos outros, o discurso serve para exprimir o útil e o nocivo, e, portanto, o justo e o injusto. Para Aristóteles, "a virtude da justiça é um valor político, pois a comunidade política tem como sua regra a [administração da] justiça (ou seja, a discriminação do que é justo)". O bárbaro, a mulher e o escravo são colocados no mesmo patamar para ele, ou seja, inferior aos cidadãos, pois não são dotados da capacidade de comandar. A formação da cidade seria, para ele, uma "realidade natural", justamente por o homem ser um animal político e tender, portanto, à vida em sociedade.

Segundo Platão, a pólis possui uma estrutura tripartite, sendo formada por três classes socias: a classe econômica, composta por proprietários de terra, artesãos e comerciantes (responsáveis pela sobrevivência material da cidade); a classe militar dos guerreiros (responsável pela defesa da cidade); e a classe dos magistrados, que asseguram o governo da cidade sob as leis. Para Platão, a cidade justa se realiza pela educação dos cidadãos, de modo que a filosofia os transformará em sábios legisladores, para que sejam a classe dirigente, pois somente os filósofos têm como interesse o bem geral da pólis e podem governá-la com justiça. 

A partir dessas considerações sobre o pensamento desses autores, podemos afirmar que o "animal político" no contexto da cidadania ateniense está relacionado à cidadania e à possibilidade do uso do discurso para exprimir o justo, e buscar, desse modo, a construção e a direção da pólis com justiça e sabedoria.

b) Platão considera que a pólis é um organismo moral e que deve ser uma comunidade de caráter fundamentalmente ético, de modo que a finalidade suprema objetivada pela sua constituição deve ser a realização da justiça e da virtude, e não somente a obtenção de objetivos materiais como a segurança, a produção de riquezas, etc. Para a realização da justiça e da virtude é necessário conhecê-las, ou seja, a apreensão de sua verdadeira natureza (physis), de modo que a realização da cidade depende de um saber. Partindo desse princípio, Platão considera que é fundamental que a cidade seja governada por uma elite intelectual que tenha sido rigorosamente educada com conhecimentos necessários para o norteamento da vida política. Dessa forma, Platão considera que a democracia era uma forma problemática, pois permitiria que o povo se apropriasse indevidamente do poder e da administração da cidade, sem aptidão intelectual para tal. O filósofo faz uma associação em seu livro República do regime democrático a uma nau desgovernada, conduzida por marinheiros ignorantes que não possuem perícia para tal. As ponderações de Platão sobre a democracia podem ser compreendidas como um prolongamento e aprofundamento do pensamento de Sócrates. Para esse filósofo, a excelência (areté) da práxis estaria substancialmente subordinada à orientação cognitiva fornecida pelo conhecimento (episteme), ou seja, tratava-se de um pensamento vigorosamente intelectualista. 

Aristóteles considerava fundamental a qualidade das instituições políticas - as chamadas virtudes das instituições -  (assembleias, tribunais, formas de coleta de impostos e tributos, distribuiçã de riquezas, etc) dependendo disso a qualidade justa de cidade. O filosófo estabeleceu uma tipologia das formas de governo, classificando-as de acordo com os critérios de quantidade de pessoas que governa (somente um, um pequeno grupo ou a maioria) e de valor (as que visam o interesse comum e as que são corrompidas por interesses individuais). Segundo Aristóteles, a politeia (governo de muitos, associado ao ideal republicano) era a forma mais adequada para o exercício do poder e se contrapunha à democracia, que era entendida como uma maioria  que governava em detrimento de uma minoria, sendo os interesses destas eventualmente ignorados.