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Questão 4 Unicamp 2020 - 2ª fase - dia 2

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Questão 4

Independência da América Espanhola Bolívar

Leia atentamente o trecho da carta escrita em 1830 por Simón Bolívar ao General J. J. Flores. A partir da leitura e de seus conhecimentos, responda às questões.  
 Meu querido General:
 V. Ex.ª sabe que governei durante vinte anos e deles tirei apenas pouco resultados certos: 1º) a América é ingovernável para nós; 2º) aquele que serve a uma revolução ara no mar; 3º) a única coisa que se pode fazer na América é emigrar; 4º) este país cairá infalivelmente em mãos da multidão desenfreada, para depois passar a pequenos tiranos quase imperceptíveis, de todas as cores e raças; 5º) devorados por todos os crimes e extintos pela ferocidade, os europeus não se dignarão a nos conquistar; 6º) se uma parte do mundo voltasse ao caos primitivo, este seria o último período da América.  

(Adaptado de Simón Bolívar, Escritos políticos. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1992, p. 32.)
 


a) Identifique dois aspectos políticos do processo de independência da América espanhola.   
b) Explique como o texto contradiz o projeto político inicial de Bolívar para a América.  
 
 
 



Resolução

a) A Independência da América Espanhola está diretamente relacionada ao contexto político vivido pela Europa no início do século XIX, nas chamadas Guerras Napoleônicas. Com a invasão de Napoleão à Espanha em 1808, e a derrubada do então rei Fernando VIII, a efervescência política tomou grandes proporções nos territórios coloniais espanhóis. Portanto, entre seus aspectos políticos, é possível mencionar:

1) A contestação da autoridade de José Bonaparte nos Territórios Americanos: Como José Bonaparte foi imposto pelos franceses na Espanha, este não era reconhecido pela maioria dos súditos da América. Tal crise de autoridade favoreceu que as lideranças locais passassem a reforçar sentimentos emancipacionistas em contrariedade à autoridade de Bonaparte, contestando os vínculos coloniais com a Espanha.

2) A sub-representação nas Cortes de Cádiz e posterior rejeição à Constituição pelo rei Espanhol: Com a invasão francesa na Espanha, formou-se uma Junta Governativa na Espanha, refratária ao domínio de José Bonaparte. Essa Junta, composta por militares, clérigos e intelectuais, convocam as chamadas Cortes de Cádiz que, entre outras coisas, eram responsáveis pela criação de uma nova Constituição para o Império Espanhol. Contudo, os Americanos ficaram descontentes com o espaço legado a sua representação, na qual apenas 30 representantes foram convocados para a participação. Mesmo assim, uma nova constituição foi produzida em 1812, com características predominantemente liberais, o que ainda agradava parte das lideranças americanas. Contudo, ao retomar o poder em 1814, o rei Fernando VIII se recusa a jurar lealdade à Constituição, provocando reação imediata das áreas coloniais à medida deste monarca.

3) O descontentamento dos criollos com os privilégios políticos dos peninsulares: os criollos foram os protagonistas do processo de independência da América Espanhola. Proprietários de terra e membros de uma elite nascida na América, este grupo era preterido pelos Espanhóis nos principais cargos administrativos e de lideranças militares.

4) Influência das ideias políticas liberais e iluministas: A difusão do ideário iluminista e liberal no início do século XIX foi fundamental para a agitação política na América Espanhola. A defesa da soberania dos Estados, bem como a influência da Independência dos Estados Unidos motivavam as discussões favoráveis à emancipação. Neste ponto, a rejeição de Fernando VIII à Constituição de Cádiz agravou a relação, tendo em vista que representava um esforço de manutenção dos princípios do Antigo Regime em detrimento do novo ideário liberal.

5) Fragmentação da Antiga América Espanhola: Após a consolidação do processo de independência, a área do Império Espanhol na América foi fragmentado em diversas nações, causado tanto pela rivalidade entre as diferentes regiões como também pela influência dos caudilhos.

b) O projeto político inicial de Bolívar ficou conhecido como pan-americanismo, isto é, a formação de uma grande nação unindo as antigas áreas coloniais da América Espanhola. Essa união tinha o interesse de formação de uma próspera nação americana, com sua soberania e autonomia assegurada pelos próprios americanos. Ademais, Bolívar também apresentava uma clara defesa ao modelo republicano e aos princípios federalistas, prevendo uma autonomia aos estados criados na região. Em sua Carta da Jamaica, Bolívar afirma que "é uma ideia grandiosa pretender formar de todo o Novo Mundo uma só nação com um único vínculo", devendo ter "um único governo que confederasse os diferentes Estados que viesse a se formar".

Desta forma, a carta apresentada na questão contradiz seus princípios políticos por afirmar que a América é ingovernável para nós, restando aos americanos apenas a opção de "emigrar". Isso contraria o princípio de autonomia e de soberania previstos no projeto pan-americano. O aspecto republicano e federativo também é contrariado na afirmação de que a América "cairá infalivelmente" nas mãos de multidões e de "pequenos tiranos", demonstrando uma desilusão acerca da prosperidade dos princípios liberais e republicanos no continente americano. Finalmente, a noção de prosperidade desse continente é contrariada com a afirmação de que a América será "devorada por todos os crimes e extintos pela ferocidade", a tal ponto que os próprios europeus deixariam de ter interesse em reconquistar a América.