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Questão 1 Fuvest 2020 - 2ª fase - dia 2

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Questão 1

Salazarismo Descolonização

  Os efeitos sociais do futebol enquanto elemento de uma dinâmica cultura popular impelira o estado colonial a intervir sobre  este universo. Depois da abolição [...] do indigenato, o desporto servirá para alimentar a propaganda luso‐tropicalista, nomeadamente depois das vitórias do Benfica de Coluna e Eusébio (este só na segunda) na Taça dos Campeões Europeus em  1961 e 1962, mais tarde, com a participação da seleção no Mundial de 1966. 

Nuno Domingos, “Desporto moderno e situações coloniais: o caso do futebol em Lourenço Marques”. In: MELO, V. A. de e outros (orgs.)  Mais que um jogo: o esporte e o continente africano. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.

a) Explique a relação entre Moçambique e Portugal na década de 1960. 

b) Quais as relações da propaganda luso‐tropicalista portuguesa com a imagem da democracia racial no Brasil? 

c) As conquistas do Benfica e o desempenho da seleção portuguesa no Mundial de 1966 fortaleceram a propaganda oficial do governo português? Justifique.



Resolução

a) Moçambique foi incorporado ao Império Português em 1505, como resultado da expansão ultramarina ocorrida a partir do século 15. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), com uma Europa enfraquecida, se iniciaram movimentos liderados pelas antigas colônias para conseguirem suas libertações de suas antigas metrópoles. No caso de Portugal, que vivia o regime do Estado Novo (1926-1974), liderado por Oliveira Salazar (1889-1970), havia uma política sistemática de não aceitação das independências de suas colônias. Pressionado pela ONU e pela nova ordem mundial liderada por EUA e URSS, a estratégia portuguesa foi passar a considerar as colônias como parte integrante do Estado Nacional, chamando-as de Territórios ultramarinos. Em 1961 em Angola, com liderança da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), começou a guerra colonial contra o Estado Português. Em Moçambique o conflito teve início em 1964, sob a liderança da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), que contava com apoio, dentre outros países, da URSS. A repercussão da guerra colonial no mundo português enfraqueceu o predomínio do Estado Novo, fazendo com que o próprio exército se voltasse contra o governo e o derrubasse em 25/4/1974, com a chamada "Revolução dos Cravos". Assim, esse novo governo declarou o cessar fogo e a independência de Moçambique foi concedida em 1975. Logo a seguir, explodiu uma guerra civil entre a Frelimo e guerrilhas rivais, especialmente a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), que se estendeu até 1992.

b) O luso-tropicalismo foi um conceito utilizado pelo Estado Novo português principalmente a partir da década de 1950 para justificar a manutenção de seu Império Colonial. Esse ideal foi baseado nos trabalhos do antropólogo brasileiro Gilberto Freyre (1900-1997), especialmente no que tangia a ideia de que os portugueses teriam como algo inato o destino de levar a civilização a outros povos, uma vez que eles já haviam sido o produto de miscigenações anteriores, que remontavam a Guerra de Reconquista (711-1492) no período medieval. Assim, o povo português se adaptaria facilmente aos chamados trópicos e seriam os colonizadores ideais, uma vez que seriam pacíficos e tolerantes. De uma forma semelhante, as elites brasileiras também assimilaram as teorias de Freyre, tentando acomodar as questões raciais no Brasil. Segundo essa visão, a colonização portuguesa no Brasil teria criado uma "democracia racial" pois os portugueses logo se misturaram com os indígenas e escravos, formando um povo mesclado. Tais teorias serviram para encobrir os efeitos sociais e humanos de 350 anos de escravidão no Brasil, criando uma falsa ideia de que devido as características específicas de nossa colonização portuguesa, não haveria racismo no Brasil.

c) Tanto os títulos conquistados pelo Benfica no início da década de 1960, quanto o melhor desempenho da seleção portuguesa de futebol em uma Copa do Mundo (terceira colocação na Inglaterra em 1966) acabaram por reforçar a política oficial do governo sobre um povo com diversas origens raciais mas unificado pela bandeira portuguesa, uma vez que tanto o time do Benfica, quanto a seleção portuguesa, tinham em jogadores africanos, tais como Eusébio (artilheiro da Copa de 1966) e Coluna, que eram moçambicanos, os seus maiores astros.