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Questão 3 Fuvest 2020 - 2ª fase - dia 2

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Questão 3

Modernismo (FSH) Mário de Andrade República Oligárquica

Leia o poema e responda ao que se pede.   

Mas a taba cresceu... Tigueras* agressivas, 

Para trás! Agora o asfalto anda em Tabatinguera. 

Mal se esgueira um pajé entre locomotivas 

E o forde assusta os manes** lentos do Anhanguera. 

[...] 

Segue pra forca da Tabatinguera. Lento 

O cortejo acompanha a rubra cadeirinha 

Pro Ipiranga. Será que em tão pequeno assento 

A marquesa botou sua imperial bundinha!... 

Mário de Andrade, “Tabatinguera”, Losango Cáqui (1924). In: Poesias completas v.1. São Paulo: Martins Fontes, 1979. 

* área plantada onde já se fez a colheita. 

** alma dos mortos, restos mortais.

a) Identifique um aspecto mencionado no poema que justifique a expressão “a taba cresceu”. 

b) Destaque um argumento histórico e outro de caráter estético para o emprego de expressões indígenas no poema. 

c) Explique as condições históricas que favoreceram a citação do “asfalto”, das “locomotivas” e do “forde”.



Resolução

a) A "taba cresceu" (do tupi, "aldeia") aparece no texto de Mário de Andrade como uma menção ao forte crescimento e modernização de São Paulo no contexto dos anos de 1920. É possível identificar esse crescimento com outros trechos do texto, como o "Mal se esgueira um pajé entre as locomotivas", relacionando-o ao acelerado ritmo das ferrovias de São Paulo, bem como à grande quantidade de usuários desses então modernos meios de transporte. Outra relação possível é o trecho "Tigueras agressivas, para trás! Agora o asfalto anda em Tabatinguera", apresentando a superação de uma vida rural, de produção agrícola em detrimento do desenvolvimento da cidade e das vias asfaltadas. 

b) Do ponto de vista histórico, o uso de expressões indígenas está associada tanto a um caráter nacionalista do contexto, interessado em discutir a identidade e a cultura tipicamente brasileiras, como também dialoga com as teorias raciais e eugenistas difundidas nos meios científicos e intelectuais do período. Sobre o primeiro aspecto, os anos de 1920 foram influenciados pela tese da formação do Brasil através da miscigenação, elemento considerado fundamental para a identidade cultural brasileira. Por sua vez, esse raciocínio endossa as teorias raciais da ciência na época, que previam a existência de raças humanas claramente definidas e com características próprias, sendo a miscigenação e a presença do indígena uma característica singular da cultura nacional.

Do ponto de vista estético, o movimento dos modernistas tinha como projeto uma reconstrução da arte brasileira, realizando a assimilação crítica das artes vanguardistas europeias em diálogo com elementos da cultura nacional. Para tal, o índio e o negro eram tidos elementos primordiais da cultura brasileira, sendo que o uso de sua cultura e língua representava um elemento estético da identificação do caráter nacional. Portanto, o índio e sua cultura figuraram frequentemente nas obras modernistas pela busca de um teor primitivista, a exemplo do texto em questão e do sentido geral da Antropofagia presente no “Manifesto Antropofágico”.

c) As condições históricas que dialogam com a citação do "asfalto", "locomotiva" e do "forde" são aquelas vinculadas ao intenso processo de urbanização, modernização e crescimento da cidade de São Paulo durante as primeiras décadas do século XX. Este contexto foi marcado pelo desenvolvimento urbano da capital paulista, que despontava como um das mais importantes cidades do país, recebendo grandes levas de imigrantes e sendo o centro econômico da cafeicultura brasileira. Tal desenvolvimento não passou incólume pelos artistas e intelectuais daquele contexto, animados com o que identificavam como a modernização do Brasil. Assim, inovações tecnológicas como os meios de transporte cada vez mais velozes, a maquinaria cada vez mais robusta e surpreendente e mesmo o desenvolvimento urbano e sua pioneira verticalização eram retratados e elogiados por intelectuais deste período. Nesse sentido, o elogio à modernização e sua associação com o desenvolvimento urbano de São Paulo aparecem como elementos de um Brasil que se transformava, mas que também mantinha uma relação com seu passado primordial, representado pelo elemento indígena no país.