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Questão 5 Fuvest 2020 - 2ª fase - dia 2

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Questão 5

América Espanhola Administração da América Espanhola

Observe a imagem e leia o texto.

Felipe  Guamán  Poma  de  Ayala,  o  autor  da  imagem,  foi  um  cronista  ameríndio de ascendência incaica que viveu no Peru entre 1534 e 1615. A  imagem faz parte de sua Nueva Corónica y Buen Gobierno, finalizada no  começo do século XVII e endereçada ao rei Felipe III, sendo acompanhada  da seguinte legenda, traduzida do espanhol:  “Pobre dos índios, de seis animais que comem e a que temem os pobres  dos índios deste reino: serpente, corregedor; tigre, espanhóis das cidades;  leão, encomendero; cadela, padre da doutrina; gato, escrivão; rato, cacique  principal. Estes ditos animais que não temem a Deus esfolam aos pobres  índios deste reino, e não há remédio, pobre Jesus Cristo”.

a) Identifique a situação do Peru quando da elaboração da obra. 

b) Descreva as estruturas de poder político e econômico que são comentadas na imagem e no texto que a acompanha. 

c) Analise as tensões no mundo indígena sugeridas por texto e imagem.



Resolução

a) No contexto de elaboração da obra, o Peru era uma área colonial da Espanha, denominada administrativamente como Vice-Reinado do Peru, a partir de 1542, com a capital em Lima. Diferentemente de outras regiões, o Peru era densamente povoada por povos ameríndios na época da chegada dos espanhóis. Desde o início da conquista da civilização Inca por Francisco Pizarro nas primeiras décadas do século XVI, a região passou ainda por um período de instabilidade e contestação dos nativos perante a dominação espanhola, como a resistência liderada por Manco Capac II e, posteriormente, seu herdeiro Tupac Amaru. Ao final do século XVI a administração espanhola se estabilizou, especialmente através de acordo com determinadas lideranças indígenas que atendiam em partes o interesse dos espanhóis, como a cobrança de impostos. Economicamente, a descoberta da Mina de Potosí em meados do século XVI também transformou a economia do vice-reinado, sendo a extração da prata a principal atividade econômica regional. Dentro da lógica mercantilista do período, o Peru era uma região de fundamental importância no Império Espanhol pela riqueza extraída de seus minerais, especialmente a prata.

b) As estruturas de poder político mencionadas na imagem e no texto que acompanham são:

I) Corregedor: Funcionários da administração colonial espanhola com autoridade política e judiciária. Constituíam uma sistematização da presença do Estado nas atividades coloniais americanas. Entre suas competências, destaca-se a obrigação de visitação das áreas de sua jurisdição, fiscalizando as atividades coloniais, estabelecendo relações entre indígenas e encomenderos, e mesmo zelando pela proteção aos nativos. Contudo, as acusações de corrupção e abusos eram frequentes aos designados por este cargo.

II) Encomendero: a encomienda era um sistema existente na América Espanhola e que era caracterizado pela relação entre um encomendero - normalmente um espanhol com terras na América - e um determinado grupo de indígenas. Nesta relação, os encomenderos tinham o direito de coletar impostos destes indígenas - normalmente através do trabalho forçado, já que tais nativos não apresentavam meios de pagar o tributo em espécie - e, em troca, deveriam garantir a cristianização desses nativos. Contudo, o sistema foi severamente criticado principalmente por religiosos do período, que denunciavam os abusos cometidos pelos encomenderos e a falta de observância sobre a proteção e cristianização dos indígenas.

III) Padres e Religiosos: Responsáveis pela cristianização dos indígenas, os religiosos detinham grande influência nas áreas de colonização ibérica na América. Muitas vezes eram associados aos encomederos para executar a devida conversão religiosa dos ameríndios. Contudo, alguns religiosos também se destacaram na denúncia das mazelas as quais os nativos estavam submetidos em sistemas como a encomienda, a exemplo do Frei Bartolomé de Las Casas.

IV) Lideranças Indígenas: As lideranças nativas - também eventualmente chamada de curacas - desempenhavam um importante papel de vínculo entre os novos dominadores espanhóis e as comunidades ameríndias do interior do Vice-Reinado do Peru. Após a definitiva conquista sobre os Incas, os Espanhóis adaptaram e ressignificaram parte da lógica existente entre os Incas e as áreas submetidas a seu domínio, tal qual o sistema de mita. Neste sentido, as lideranças indígenas ligadas à metrópole espanhola eram de fundamental importância para o bom funcionamento da colônia Americana, representando interesses dos espanhóis perante a outros indígenas.

V) Burocracia Administrativa e demais espanhois: mencionada indiretamente através da menção aos escrivães, a burocracia espanhola detinha uma importância político-administrativo nas áreas sob domínio espanhol, estabelecendo uma comunicação entre a Metrópole e as áreas coloniais na América. Tanto tais escrivães como os “espanhóis da cidade” são acusados de conivência com a situação de exploração aplicada às populações nativo-americanas.

c) As tensões sugeridas pelas imagem e pelo texto ocorrem de forma diversa, especialmente na relação entre o mundo ameríndio com os espanhóis, mas também nas relações internas aos ameríndios. No primeiro caso, podemos mencionar a ausência de uma fiscalização eficaz na proteção da população nativa que, apesar do dever dos corregedores em fiscalizar as relações de indígenas e colonos, não apresentavam eficácia contra esses abusos. Outra tensão mencionada é a atuação direta dos encomenderos na exigência excessiva de trabalhos forçados, responsáveis pela morte de grande parcela da população ameríndia. Essas casos eram inclusive denunciados por religiosos e outros funcionários locais, como o próprio Guáman Poma de Ayala ou o Frei Bartolomé de Las Casas. Um terceiro ponto de tensão é a imposição religiosa dos espanhóis, através de uma postura eurocêntrica e unilateral de defesa da fé cristã, num projeto de conversão forçada da população local. Também é possível mencionar uma conivência generalizada por parte dos espanhóis e de sua burocracia perante as sevícias vivenciadas pelos nativos do Peru. Como resultado, essas circunstâncias causaram uma forte queda demográfica da população ameríndia, para além dos esforços de imposição cultural realizada pelos espanhóis contra os locais.

Por fim, a menção às lideranças indígenas também revela uma tensão existente internamente aos ameríndios, com a crítica feita diretamente contra as lideranças associadas aos espanhóis. Essas lideranças também foram responsabilizados por Guáman Poma de Ayala pelo estado de violência no qual os indígenas viviam, sendo associados a “ratos” na imagem, justamente por apresentarem uma postura desonrosa perante sua população e voltada exclusivamente para o atendimento de seus interesses naquele contexto.