Indivíduos intolerantes à lactose não conseguem digerir esse açúcar presente no leite. A principal causa da intolerância à lactose é a diminuição da produção da enzima lactase, especialmente na idade adulta. A indústria de laticínios beneficia‐se da biotecnologia para incluir uma lactase de levedura nos alimentos, fazendo com que a lactose seja digerida antes de ser consumida, gerando, assim, os produtos lácteos sem lactose.
a) Considerando que o pH ótimo para funcionamento da lactase é de aproximadamente 7,5, em que região do sistema digestório humano ocorre a atividade dessa enzima?
b) A região codificadora dos genes é precedida e controlada por uma região regulatória. Uma mutação (C para T) na região destacada na tabela aconteceu há cerca de 10 mil anos em pessoas do norte europeu e foi conservada, resultando em manutenção da expressão do gene na idade adulta e consequente permanência da habilidade de digerir a lactose. Essa mutação aconteceu em que região do gene? Baseado nessa mutação, qual é o padrão de herança da característica “Tolerância à lactose na idade adulta”?
c) Bactérias transgênicas que expressam o gene da lactase de levedura (organismo eucariótico) são utilizadas para a produção dessa enzima em larga escala. Cite uma manipulação em laboratório necessária no gene da lactase de levedura para que ele possa ser expresso em bactérias. Justifique sua resposta.
a) O sistema digestório humano apresenta variação de pH relacionado à atividade das enzimas atuantes em cada órgão. A boca apresenta o pH, aproximadamente, igual a 7,0; o estômago, devido à secreção de HCl (ácido clorídrico), apresenta pH ácido de valor igual a 2,0; e o intestino delgado, devido à secreção de íons bicarbonato pelo pâncreas e fígado, apresenta pH, aproximadamente, igual a 8,0. Assim, é esperado que a enzima lactase (com pH ótimo igual a 7,5) tenha atividade no intestino delgado, órgão no qual promoverá a hidrólise de lactose que gera como produtos os monossacarídeos glicose e galactose, capazes de serem absorvidos pelo epitélio intestinal.
b) A leitura da primeira linha da tabela fornece a resposta para a primeira parte desta questão. Lê-se “Sequência (19 mil nucleotídeos antes do primeiro éxon)”, ou seja, a sequência fornecida está ANTES da região codificadora, e portanto, refere-se à região regulatória, também chamada de região promotora, cuja função é controlar a expressão gênica. Assim, conforme trecho do enunciado “manutenção da expressão do gene na idade adulta”, a mutação permitiu que os adultos mantivessem a produção da lactase já que o gene mantinha-se expresso mesmo após a infância. Munidos destes dados, pode-se afirmar que a mutação ocorreu na região regulatória do gene da lactase.
A imagem abaixo, modificada a partir de https://www.britannica.com/science/gene, ilustra a estrutura básica de um gene:
O gene, unidade básica da hereditariedade, consiste em uma sequência de bases nitrogenadas de DNA organizadas em duas regiões: região regulatória (promotora) e região codificadora subdividida em éxons e íntrons (no caso de eucariontes). Os éxons são sequência de bases mantidas após o processamento do RNAm, enquanto os íntrons consistem nas sequências de bases removidas que não serão, portanto, traduzidas em aminoácidos que irão compor a proteína final. Mutações na região regulatória, normalmente, possuem efeito quantitativo, alterando o quantidade do produto (lactase) produzida, enquanto isso, mutações em regiões codificantes costumam ter efeito qualitativo, já que são capazes de alterar a sequência de aminoácidos na proteína final.
A “Tolerância à lactose na idade adulta” tem padrão de autossômica herança dominante, dado que pode ser obtido através da análise da tabela fornecida:
- o gene está localizado no cromossomo 2, ou seja, encontra-se em um cromossomo autossômico (não-sexual)
- tanto o indivíduo 1 (que possui dois alelos com a base T) quanto os indivíduos 2 e 3 (que possuem apenas um alelo com a base T) são tolerantes à lactose, e sintetizam a lactase na vida adulta. Portanto, um alelo com a base T já é suficiente para a produção da lactase, logo, a tolerância à lactose na idade adulta tem padrão dominante.
- o indivíduo 4 (que possui dois alelos com a base C) é intolerante à lactose, e não sintetiza a lactase na vida adulta. Portanto, a ausência de lactase na vida adulta depende de dois alelos com a base C simultaneamente, o que é característica de um padrão de expressão recessivo. Assim, a “intolerância à lactose na vida adulta” tem padrão recessivo.
c) Um organismo transgênico é aquele que recebeu um gene de outra espécie a partir da técnica do DNA recombinante. De modo simplificado, esta técnica consiste em
1. cortar um segmento contendo o gene de interesse (no caso, o gene da lactase de levedura) utilizando uma enzima de restrição
2. cortar o DNA da bactéria com a mesma enzima de restrição
3. inserir este gene de interesse de levedura no DNA bacteriano para que este organismo sintetize a proteína da levedura
4. cultivar as bactérias transgênicas em laboratório
5. isolar e coletar a lactase sintetizada pelas bactérias
A imagem abaixo, modificada a partir de REECE, J. B. et al. Biologia de Campbell. (10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015) esquematiza o processo:
Para que o gene da levedura seja adequadamente expresso pela bactérias, é necessário que antes da inserção na bactéria, sejam removidos os íntrons do gene da levedura. A levedura é um organismo eucarionte e possui o gene organizado em regiões de éxons e íntrons que, conforme explicado anteriormente, são removidos durante o processamento do RNAm. A bactéria, entretanto, é procarionte, não possui íntrons em seu genoma e, portanto, não é capaz de realizar processamento do RNAm. Assim, caso o DNA inserido na bactéria tivesse os íntrons, a bactéria não iria remover estas sequências de bases e as traduziria, o que iria gerar uma sequência de aminoácidos não correspondente à lactase. Portanto, para garantir a síntese da lactase com a sequência de aminoácidos correta, os íntrons devem ser removidos antes do gene ser inserido na bactéria.